Rickelmy.Rodrigues 14/08/2021Adiar o fim do mundoIdeias para adiar o fim do mundo é um livro proveniente de dois discursos e uma palestra concedida pelo jornalista, líder indígena e ambientalista, Ailton Krenak, ministrado na Universidade de Lisboa nos anos de 2017 e 2019.
Krenak leva o leitor a reflexão de temas como humanidade e o que seria humanidade, e o que esse conceito abrange. Em toda narrativa Krenak toca nas questões dos valores e da cosmovisão indígena, e respectivamente a preservação da natureza, e também alerta sobre o existente mito da sustentabilidade.
Inicialmente, o livro cria provocações que levam o leitor a refletir sobre nossa condição enquanto seres humanos e pertencentes a humanidade, Como esse conceito foi construído ao longo da história e de que lado ele esteve?, segundo o autor, esse ideia de humanidade serviu em muitos momentos históricos apenas para justificar o uso da violência e ser base de escolhas erradas, sejam com o meio ambiente ou com povos que não fossem de acordo com a ?forma correta? de viver pré definida pela humanidade, em um trecho o autor faz alusão aos sangrentos e discriminatórios processos colonizadores onde, seguindo a visão eurocêntrica: ?havia uma humanidade esclarecida que precisava ir de encontro com a humanidade obscurecida', segundo ele essa ideia sempre foi justificada pela noção de que existia uma maneira correta de se viver aqui na terra.
Outra questão abordada no livro é a alienação existente na sociedade que seguiu o rumo da humanidade, segundo o autor a humanidade desde seu início, apenas alienou, tirou toda a identidade, cultura e ancestralidade do povo, criando cada vez mais e mais seres robotizados que apenas servem como mão de obra, desta perspectiva pode-se paralelamente ter como alusão os processos de urbanização e as grandes revoluções industriais iniciados no fim do século XVIII, os moldes capitalista da sociedade sempre padronizou os seres humanos e os categorizou como robôs de produção, tirando de seus locais de origem e excluindo suas particularidades, seguindo sobre a alienação na qual a dita humanidade vive, é mostrado como o ser humano foi induzido a virar apenas consumidor e não cidadão do mundo, isto é, viver na terra de forma cega, sem consciência e criticidade, desfrutando de coisas banais que apenas servem como distração para a realidade, descartando as responsabilidades sociais com o meio ambiente.
A cosmovisão indigena é contrastante com o declínio da sociedade e do distanciamento da natureza, como é contado no livro, a natureza do ponto de vista indígena não tem distinção do seu povo, sendo ser pertencente ao mesmo, krenak mostra como a humanidade não respeita as diferentes formas de vida, e caminha para a homogeneidade do existir.
Certo trecho do livro relata como foi preciso explicar para um representante da humanidade(a Unesco), quando houve a iniciativa da criação de uma biosfera em uma região do Brasil, aí surge a reflexão: representante de que humanidade? Ironicamente essa mesma instituição tem como uma de suas bases ?a educação para o desenvolvimento sustentável?
Krenak mostra como a forma de vida e a cosmovisão dos povos indígenas são e sempre foram uma alternativa, ou melhor, as suas maneiras de adiar o fim do mundo, adiar o fim do mundo pra ele seria manter sua cultura, sua origem e sua ancestralidade viva. A história de luta e resistência dos povos indígenas dura 500 anos, 500 anos dia a dia adiando um pouco o fim do mundo.
Por fim, a primeira parte do livro termina com a certeza que o ser humano precisa parar de ver o mundo com a mesma visão e acreditando que somos todos um só povo, é preciso reconhecer e reafirmar a pluralidade e a diversidade, de povos e culturas existentes, como é citado no livro: ?Ter diversidade, não isso de humanidade com o mesmo protocolo?
Em sua segunda parte, o autor fala sobre as dificuldades vivenciadas pelas centenas de comunidades indígenas Brasileiras, as divergências políticas com o atual governo e o não cumprimento do seu papel de assegurar os direitos indígenas, direitos básicos como a demarcação dos territórios indígenas infelizmente não estão sendo cumprindo, e a flexibilização com as grandes mineradores e empresas, e das leis ambientais têm causados diversos danos irreparáveis à natureza, como a tragédia que cobriu o rio doce com materiais tóxicos, para os povos Krenak, o rio é chamado de ?Watu?, e é considerado o avô desse povo, logo essa tragédia deixou os Krenak órfãos, além da perda de uma fonte de vida. Segundo Ailton, o ocorrido com o Watu não foi um acidente, mas sim algo premeditado.
Por fim o livro reflete sobre a humanidade que somos, que a muitos tempo estamos apenas caindo, enfrentando diversos fins de mundo possíveis, de diferentes formas no antropoceno, e sobre as diferentes alternativas ou mais sutis de enfrentar o declínio da terra, assim como indica o autor de maneira metafórica: ?como um paraquedas colorido e prazeroso?, e como nossa geração tem deixado o mundo para as futuras gerações, apenas levando o fardo adiante. Estamos todos condenados a viver o fim do mundo de nosso tempo, esse por nós mesmo perpetuado.