Zé - #lerateondepuder 19/07/2020
O Amante
A vida como ela é, em suas várias facetas diferentes para cada qual, em cada época distinta, nem sempre sendo uma mar de rosas coloridas, é o que poderia se resumir do livro O Amante de Marguerite Duras, esse clássico da literatura que recebeu o Prêmio Goncourt em 1984, com mais de 2 milhões cópias vendidas somente em território francês. Trata-se de um romance autobiográfico que conta uma verdadeira tragédia de uma adolescente de origem francesa e nascida em Saigon, que tem uma relação amorosa com um rico comerciante chinês, na então conhecida como Indochina, uma das colônias francesa dos tempos do pré-guerra.
O livro foi escrito no ano de 1984, mas conta um tempo em que Duras era adolescente nos anos 1930, principalmente, no Camboja, também de domínio francês na oportunidade, local em que a mãe da protagonista conseguiu uma possessão de terra, após a morte de seu marido, pai de Marguerite, o qual falece quando a escritora tinha apenas quatro anos. A vida da família Donnadieu (Duras foi um pseudônimo adotado) seria marcada por grandes dificuldades financeiras, por conta das investidas sofridas e pelos errôneos investimentos financeiros da mãe.
Começa a história, falando de uma pessoa que a abordou e declara que, vendo uma foto da protagonista mais velha, que esta estaria ainda mais bela. Vai, diretamente, inserindo o leitor em sua biografia, já deixando claros os problemas familiares, principalmente, o ranço que tem para com o irmão mais velho, uma indicação de que a obra se concentrará em contar a história de uma vida sofrida.
Em tom filosófico e existencial, fala de Deus, do cotidiano da vida de sua família, representando um pensamento feminino de época, muito bem relatado na questão dos estereótipos das mulheres, com o modo de se trajar, por exemplo. A descrição dos locais, como o Camboja e o Vietnã antes da guerra, incorporam o enredo, da mesma forma que destaca a riqueza do seu amante chinês, antes da Revolução Cultural, um aspecto bem capitalista, para uma China que, poucas décadas depois, se tornaria totalmente comunista, assim como o Vietnã em que ela vivia.
Passado e presente se misturam na trama, ora contada na visão da escritora, ora descrevendo as coisas como se fosse outra pessoa. O retrato em detalhes da primeira cena de sexo com seu amante dá bem o tom de sua visão de mundo, juntamente, com outras abordagens sobre as agruras da família, principalmente do vício do irmão, que praticamente a destrói. A falta constante de dinheiro que deixa todos desavergonhados, é contada da mesma forma que a clara sabedoria, a visão de louca e visionária de sua amada mãe, a qual considera ter sido assassinada pelas idas e vindas daquela sociedade.
A difícil relação com os dois irmãos, que os considerava inúteis por não tomarem à frente do sustento da família, o que a levou ao caminho de, praticamente, a prostituição como forma de sobrevivência, é colocada, descrevendo esse irmão mais velho como se fosse a guerra, que se espalha por tudo, penetrando e roubando, aprisionando, mesclando-se e a tudo roubando para manter sua dependência química, o que faz a mãe se desfazer do pouco que tinham. Em certa parte, conta como esse irmão irá morrer pobre, sozinho e como o outro mais novo falece, ainda jovem e de broncopneumonia.
Em uma escrita poética, os fatos são narrados de forma não sincrônica, do tempo de infância, da relação com seu amante chinês, de sua vida mais velha na França, uma vez que a autora se muda para esse país com 18 anos, como se tivesse sido expatriada. Lembrando que o livro foi escrito quando Marguerite contava com seus 70 anos de idade e viria a falecer 12 anos depois, não sem antes de ter relatado sua vida em um pensionato no Camboja e suas saídas para ter encontros amorosos com seu chinês rico e, mesmo sustentando a família com essa prostituição, ainda era espancada pela mãe, por ser filha desonrada que nunca se casaria.
As ambiguidades, as estranhezas estão sempre presentes nessa obra de pouco mais de 100 páginas, ao estilo nouveau roman, cujo ideal seria uma versão e visão individual das coisas, subordinando o enredo e os personagens aos detalhes do mundo, ao invés de arrolar o mundo a serviço destes. É uma leitura, por assim dizer, sombria, rancorosa e com muitos ressentimentos que contará a passagem de toda uma vida, da iniciação sexual na adolescência, às perdas diversas, até a sua velhice.
Deixa um sentimento de amargura que transparece a vida de Marguerite Duras, mas muito fácil de se ler e que vale muita a pena as poucas horas de sua apreciação. A edição que se baseia esta resenha é a da editora Cosac Naify, do ano de 2007, com a tradução de Denise Bottmann, estando disponível para baixar em: http://lelivros.love/book/download-o-amante-marguerite-duras-em-epub-mobi-e-pdf/. Veja a vídeo resenha, em: https://youtu.be/dF6bsEAOD78. Acesso em: 19 jul. 2020.
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