diegopds 17/12/2016
Somewhere Between Heaven And Hell
Adianto que o livro possui problemas, alguns menores, outros maiores. Ainda assim, com a atitude mental positiva em que estava, acabaram me servindo mais como alívio cômico do que de frustração. Não me deixo levar pelo hype e, neste caso, acabei lendo o livro muitos anos depois de seu lançamento. De qualquer forma, é sempre bom fazer algumas ressalvas para quem se interessar em ler, para calibrar as expectativas.
Aliás, antes de publicar o post, enquanto procurava imagens, encontrei um post do próprio autor, que traz algo na mesma linha que escrevi aqui:
"CUIDADO COM A EXPECTATIVA!
Expectativa é um problema e estraga qualquer bom filme ou livro. Como “A Batalha” ficou muito tempo fora do mercado (quase dois anos) é natural que cada um tenha a sua própria idéia sobre o romance.
Lembre-se de que uma obra nunca é exatamente igual à imagem que você idealizou. Pode ser melhor, pode ser pior… tudo vai depender do seu nível de expectativa.
É preciso ter em mente a estrutura em que o livro é organizado, uma vez que ele é bem longo e sem ter esse panorama de antemão, a leitura pode se tornar extremamente cansativa, ao ponto de largar o calhamaço pela metade".
SINOPSE:
"Há muitos e muitos anos, há tantos anos quanto o número de estrelas no céu, o Paraíso Celeste foi palco de um terrível levante. Um grupo de anjos guerreiros, amantes da justiça e da liberdade, desafiou a tirania dos poderosos arcanjos, levantando armas contra seus opressores. Expulsos, os renegados foram forçados ao exílio, e condenados a vagar pelo mundo dos homens até o Dia do Juízo Final".
Em momento nenhum é apontado o ano em que a história principal se passa, mas algumas informações implícitas dão a entender que seja o ano de 2024. À medida em que a trama avança, temos flashbacks bem longos que acabam lembrando aquele, de 10 minutos, do filme O Grande Dragão Branco, com Jean-Claude Van Damme. E não estou exagerando, um deles dura 138 páginas! Aliás, o livro presenteará os saudosistas com algumas referências, como a chinesa de olhos verdes como jade, clara referência ao filme Aventureiros do Bairro Proibido.
O fato é que estes flashbacks dão substância, tanto para o enredo, quanto para os personagens. Também ajudam a esclarecer e compor alguns pontos e motivações. Ademais, trata-se de um belo passeio por locais e eventos históricos / mitológicos, como: Babilônia (Torre de Babel), China, Grécia e Roma. Portanto, sente-se à janela e aproveite a viagem (e a paisagem!). Esse elemento épico e a longa jornada do herói, inegavelmente, remetem à sua origem clássica: A Odisseia de Homero.
"Começou com aquilo que os profetas chamaram de ‘cavaleiros do Apocalipse’. Não houve cavaleiro de fato nem entidades montadas que personificassem a previsão. Mas o renegado podia percebê-los nas guerras no Oriente Médio, nas crianças famintas na África, nas epidemias, nos falsos videntes em todo lugar onde a morte arrastava o seu manto. Depois, a situação mundial se degradou, e isso nada teve a ver com as forças infernais ou celestes".
Eduardo Spohr não criou um universo do zero. Ele relacionou fatos históricos, religiosos e lendas, moldando-os de forma a dar (ou tentar dar) coerência à história. Além da citação acima, podemos ver isso em outros trechos, como um onde são mesclados elementos de criacionismo e teoria da evolução. Logo, não cabe fazer uma comparação direta entre suas fontes e o livro em si, afinal, trata-se de uma obra de ficção.
Ablon é um dos anjos renegados, que foram expulsos do Céu e condenados a viver na Haled (Terra). Seu principal dilema é o fatalismo que o cerca: geralmente, as pessoas se conformam com a perda de um ente querido na esperança de “encontrá-lo do outro lado”. Com os anjos, isto não ocorre. Uma vez que não possuem alma, quando morrem, está tudo acabado. Por outro lado, tem uma espécie de complexo de Highlander, devido à sua imortalidade (não envelhece com o tempo), seu maior medo é o de esquecer as coisas que viveu e, principalmente, as pessoas que conheceu (infelizmente, o mundo de A Batalha do Apocalipse não foi contemplado com as Lembranças do Facebook).
Ainda que o protagonista seja um “paladino da justiça”, com incrível retidão e honra, o autor não trata os conflitos de forma (estritamente) maniqueísta. Existe uma luta do “Bem contra o Mal”, mas ela não se resume a dicotomia Céu versus Inferno, uma vez que há uma terceira faceta, que traz alguns tons de cinza.
Algo bem interessante é como dúvida, crença e compreensão afetam a transponibilidade entre mundo físico e mundo espiritual. Afinando ou engrossando o tecido da realidade, espécie de barreira entre os mundos ou dimensões, frequentemente mencionado na obra.
Um ponto dissonante é a repentina mudança da narrativa, em dado momento, de terceira para primeira pessoa. Não chega a estragar, mas causa estranhamento. É possível notar que o próprio autor teve dificuldades em mantê-la, quando o protagonista sai de cena: “O que se deu a seguir não foi presenciado por mim, e tudo o que sei foi relatado por […]”. Isto ocorre numa parte longa (aquela de 138 páginas, citada anteriormente), felizmente, a narrativa em terceira pessoa é retomada e segue até o final do livro.
Existe um trecho importante em que foi difícil manter a “suspensão de descrença”, não se trata de um furo (algo inexplicado ou imotivado) exatamente, mas sim de uma motivação um tanto absurda. Acabei levando isso para o lado cômico, mas não se trata de uma característica do personagem e sim da forma como o autor liga ponto A ao ponto B. Ele precisava levar a história de um lugar para outro, algo compreensível. Porém a “ponte” que ele construiu ficou com uma estrutura bem fraca.
Nos diálogos, um antagonista causa certa vergonha alheia, mas que acabei levando também para o lado cômico, numa fala digna do personagem Malvado dos Ursinhos Carinhosos. Por outro lado, temos personagens excelentes, como o hilário Lúcifer, lembrando muito os vilões afetados, tem tiradas sensacionais. O livro traz também algumas gírias legais, como Poleiro (Céu) e Porão (Inferno). Outras, mais agressivas, como bonecos de barro (forma pejorativa que alguns anjos se referem aos seres humanos).
A descrições de lutas e formações de combate são bem empolgantes, algumas delas, bem violentas. Temos algumas referências de Cavaleiros do Zodíaco e até mesmo O Santo dos Assassinos, eu diria. Quando digo empolgantes, é no sentido mais literal possível, remetendo as noites em que eu vibrava com as lutas do UFC (ou à minha mãe assistindo capítulos com plot twists das novelas da Globo…)
O ponto mais alto de A Batalha do Apocalipse, para mim, está na forma como Eduardo Spohr consegue amarrar bem a trama em vários momentos (mas não todos). Com ótimos recursos de roteiro, aproveita bem os elementos expostos ao longo da história, inclusive aqueles presentes nos flashbacks, utilizando-os até a última página. Se você não “pegá-los”, será surpreendido quando vierem à tona. Se for um leitor mais atento, se sentirá satisfeito e respeitado, mostrando que as 586 páginas valeram a pena em ambos os casos.
O livro de estreia de Eduardo Spohr não é isento de pontos fracos, alguns deles bem notórios. Não obstante, minha experiência de leitura foi plena e satisfatória. Não tenho referencial de outras obras do mesmo gênero, para efeito de comparação, mas gostei do universo apresentado e pretendo ler a trilogia Filhos do Éden, do mesmo autor.
Aqui termina minha resenha. No post, além dela, falo como conheci a obra e as circunstâncias em que fiz a leitura.
site: https://medium.com/@7seconds_/a-batalha-do-apocalipse-2e292bc7ac34#.5twjg8kzd