Café & Espadas 15/08/2014
Resenha A Revolta de Atlas
A Revolta de Atlas se consagrou como um clássico há muito tempo atrás. Quando foi publicado aqui no Brasil na década de 80, o livro já era considerado um dos mais importantes para a literatura americana. No entanto, mesmo com toda essa fama o precendo, eu não sabia muito bem o que me aguardava.
Já tinha lido alguma coisa sobre a sua autora, Ayn Rand, e sobre o seu posicionamento ideológico, social e político; e sobre o fato de a sua obra evidenciá-lo com muita transparência.
Já posso dizer de antemão, antes de expor minha opinião sobre essa obra magnífica, que a leitura de um livro como este, nos tempos de hoje e mais precisamente na época em que nos encontramos aqui no Brasil onde vemos embates políticos constantes tomando não só as redes sociais, mas a internet como um todo é muito pertinente. Principalmente, por ela ir violentamente ao encontro do pensamento de uma boa parte da maioria, nitidamente inclinada para as bases ideológicas de esquerda.
Vou falar um pouco mais sobre como a autora levanta o estandarte do individualismo na sua história e na construção dos seus personagens, mas antes quero ressaltar que não pretendo, em nenhum momento, discutir política aqui nesta resenha. Somente analiso a obra como literatura pura e simples, como vocês já devem estar acostumados. Deixo isso para blogs ou sites especializados no assunto.
Dito isso, vamos a história do primeiro volume de A Revolta de Atlas.
O livro nos leva de início a um Estados Unidos que não está localizado em um momento certo no tempo.
Decadente e com a sua economia em frangalhos, o país ainda resiste a uma crise global, onde as forças políticas da esquerda tomaram o poder e exercem cada vez mais pressão sobre os governantes americanos para que estes adotem políticas mais populistas e que minem o desenvolvimento individual e entreguem o progresso tecnológico nacional e o trabalho das cabeças pensantes que existem por trás dele nas mãos do governo.
As ruas estão abandonadas. Famílias vivem em situação miserável e a cada dia que avança, estabelecimentos comerciais e grandes industrias declaram falência. As grandes mentes da humanidade estão sumindo uma após a outra, misteriosamente, e não há nada que ninguém possa fazer com relação a isso.
Será esse o fim de uma das maiores nações capitalistas do mundo? Não é nisso que Dagny Taggart acredita.
Ela é a vice-presidente operacional da Taggart Transcontinental, a maior empresa ferroviária do país, que foi fundada pelo o seu avô, e vê a crise e a péssima administração do seu irmão, James Taggart, presidente da empresa, ameaçar a soberania e as finanças da transcontinental.
Tudo começa quando Dagny decide tomar as rédeas da ferrovia definitivamente e se arriscar na compra de novos trilhos - feitos de uma liga metálica recém inventada - para a recuperação de uma linha de suma importância não só para a sua empresa mas para todo o comércio do país. Este novo metal (chamado de Metal Rearden) foi desenvolvido por Henry Hank Rearden, um grande magnata e um gênio da siderurgia.
A luta de Dagny para reerguer a sua companhia acaba se tornando uma luta pela recuperação e progresso da economia americana, baseando-se no livre comércio, e muitos aliados se unem a ela nesta causa. Mas a batalha não será tão simples assim, e os grandes poderosos incluindo o seu irmão James irão fazer oposições severas e usarão de todos os artifícios para pararem suas ambições.
Alguns poderão até questionar se esse livro realmente se encaixa na temática desse blog, já que o seu cunho político e sua volumosa carga de referências as ciências econômicas é muito marcante. A primeira vista até eu mesmo me questionei sobre isso. Mas logo vi que me enganei em pensar isso.
O Estados Unidos criado pela autora saturado, com um governo que age mais como um deteriorador social transvestido de populista se encaixa perfeitamente no gênero de distopia. Somando-se a isso os elementos básicos de ficção científica que são facilmente notáveis, como os avanços tecnológicos retratados na obra.
Uma das várias virtudes literárias dessa obra é a forma como Ayn Rand conduz sua trama. Uma linguagem eloquente, diálogos profundos e primorosos, com ótimas doses filosóficas que colocam o leitor no centro de ótimos debates do tipo capitalismo X socialismo. O desenrolar dos acontecimentos e a forma como eles se sucedem é tão cativante que a cada reviravolta implacável, simplesmente somos surpreendidos com uma atitude inesperada de algum dos personagens. Personagens esses que são um espetáculo à parte.
São praticamente obras primas dentro de uma outra obra prima. Fortes, com mentes vigorosas e respostas ácidas e chocantes para quaisquer questionamentos feitos a eles. Personagens sem nenhum traço clichê, por mais que o estereótipo de "gênio" e "dama de ferro" sejam comuns, podemos notar como a autora os difere, mostrando que nada é absoluto, e por mais forte que eles sejam, têm suas fraquezas e defeitos.
Dagny é uma mulher de fibra, que defende vários ideais feministas vigentes na época dos meados do século XX, como a destruição da concepção de que a mulher foi feita para o lar, e que nunca poderia atuar no mundo dos negócios. E para provar isso, ela começa de baixo. Sem precisar pisar ou destruir nada nem ninguém. Somente galgando cada degrau, com extrema eficiência e domínio do seu ofício. É daquele tipo de personagem que podemos levar como exemplo para nossas próprias vidas.
Hank, é um gênio dentro da sua área e um empreendedor brilhante que vive um conflito cruel com a sua própria família, que nunca compreende o seu afinco por tudo que conquistou. Desprezo que ele interpreta como medo e inveja por não terem se esforçado o bastante para conseguir algo parecido.
Francisco D'Anconia vai de encontro a dureza de caráter e integridade dos outros dois. Mesmo sendo um gênio nos negócios e em tudo o que ele se mete a fazer... ele se torna um ricaço esnobe e fanfarrão, que desperdiça seu talento e fortuna em festas e luxúria. Mas tudo indica que há um motivo oculto para toda essa transformação.
A trama se sustenta principalmente nesses três personagens, os quais a autora faz questão de mostrar suas origens em flahsbacks, de forma muito precisa. No momento certo da narrativa, sem atrapalhar o andamento ou tornar a leitura maçante. Vale ressaltar como são bem elaboradas essas origens, como são ótimos esses personagens criados pela Ayn Rand...
Sobre a edição: a Editora Arqueiro produziu uma diagramação simples e ao mesmo tempo muito informativa. Os três volumes possuem capas iguais, e vieram em um belo box personalizado. O livro não e muito volumoso, como mencionei, porém a sua mancha gráfica (o espaço que as palavras ocupam nas páginas) é grande, o que torna a leitura um pouco lenta. Nada comprometedor, visto o papel de qualidade excelente e as orelhas que trazem muitas informações sobre o livro e sobre a autora.
É complicado resumir a qualidade dessa obra em poucas palavras ou parágrafos.
Em alguns momentos, a autora subitamente estrutura sua narrativa de uma forma a fazer o leitor entender e sentir como a mente dos seus personagens funciona diante das situações as quais são obrigados a conviver.
A escrita de Ayn Rand assume uma nova dimensão, que cruza a zona limítrofe das narrativas convencionais (em 1ª ou 3ª pessoa) e cria uma experiência quase sensorial, ministrada com virtuosismo único, com o domínio não só da escrita, mas também - por meio da sua narrativa magistral - da capacidade de interpretação do leitor.
Ler a forma como os seus personagens encaram suas dualidades e seus desejos mais íntimos, contrastando com a imponência e suas frias tomadas de decisões será um deleite para os leitores que desejam sair da leitura água com açúcar, e conhecer uma história digna de estar no hall das grandes obras literárias da humanidade.
A obra vai muito além da pergunta Quem é John Galt?.
Ela é um brado contra o fim da liberdade de crescimento, contra o conformismo e a hipocrisia, contra a imposição de limites em todos os níveis - pelos menos capacitados. E uma merecida homenagem a todos os indivíduos que - assim como o titã Atlas carregam em suas costas o fardo de ter uma visão além de seu tempo, que sempre será minada por quem não a possui.
Digo sem medo: um dos melhores livros que já li na vida. Ótimo saber que esse foi só o primeiro volume da trilogia. Recomendo fortemente a leitura de A Revolta de Atlas.
site: http://cafeeespadas.blogspot.com.br/2014/08/resenha-revolta-de-atlas-volume-i.html