Eu e Outras Poesias

Eu e Outras Poesias Augusto dos Anjos




Resenhas - Eu e Outras Poesias


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Erick 20/12/2020

"alma às escuras, alma aflita"
O poeta paraibano Augusto dos Anjos transformou seu sofrimento em arte. Nascido no final do século XIX no nordeste brasileiro, antecipou a temática modernista numa métrica ao mesmo tempo rígida, consistente e ritmada. Augusto morreu precocemente aos 30 anos, tendo lançado apenas este “Eu e outros poemas”, onde é nítida a influência do cientificismo positivista em seus versos, numa mescla com uma visão cristalina dos conflitos da existência do humano.
Há quem enxergue crueza e pessimismo em seus poemas – não sem todo sentido. Entretanto, seus versos expressam muito mais do que uma mera perspectiva do sofrimento humano, em vez disso, o assume como matéria-prima de sua cosmovisão. Os vermes que se alimentarão da nossa corporeidade não são mais pessimistas do que nós, que seremos devorados por sua ânsia de subsistir. A vida é assim; devemos internalizar tal condição, como ele recomenda no poema “Versos íntimos”:

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

A lama que cobrirá os corpos de todos que um dia viveram é nosso destino inelutável e assombrar-se com isso é padecer de demasiada ingenuidade. Devemos, sobretudo, lutar contra essa brutalização que se naturaliza com a modernização das sociedades, contra essa “necessidade de também ser fera”. Augusto evidencia a hipocrisia humana, essa mão que ‘afaga e apedreja’: difícil confiar no outro quando as relações se reificam, tornam-se relações entre coisas, não mais relações entre pessoas. A desconfiança da vida urbana nos torna mais frios, sem sensibilidade em relação a nossa condição trágica que nos atinge a todos.
O progresso que a ciência – os seus lacaios, melhor dizendo – nos promete é motivo constante de crítica de Augusto. O avanço da sociedade tem como contraparte um retrocesso que nos constrange perante nossa própria fragilidade. Uma das saídas da sociedade industrial é a medicalização do sofrimento – Augusto antecipa em décadas a crítica antipsiquiátrica. No poema “A lágrima”, ele expressão sua visão de duas ciências (Farmácia e Medicina) que iniciavam sua supremacia sobre as demais através da lógica da racionalização imposta pela modernidade:

-A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina

E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!

Pílulas não dão conta do sofrimento humano, nossa inelutável condição trágica. Ao poeta, vale mais o exercício da memória de seu finado pai, pois a lembrança de que a morte alcança a todos é um alívio desse sofrimento cotidiano. O choro é catártico e as lágrimas que escorrem pelo rosto do poeta concretizam sua profunda dor de existir. Quem disse que homem não chora? Tá bom, falou!
No poema “Solilóquio de um visionário”, o poeta dialoga com quem mais o entende, seu daimon que não lhe mente nunca, que evoca o mistério da existência e faz da verdade do indivíduo um labirinto onde se perder é extremamente necessário. Achar-se significa submeter-se a noções pré-estabelecidas. Resta-nos, portanto, admitir que viver é insolúvel e perdermo-nos no mistério da transcendência que nos cerca:

Pelas monotonias siderais…
Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

A morte é um tema onipresente na obra de Augusto. Não há como viver sem pensar diariamente na nossa finitude. A qualidade de nossos dias na terra dependem de como concebemos tal conflito. O poema “Vozes da morte”, onde o poeta homenageia um Tamarindo, uma árvore pela qual ele sente um sentimento de identidade mortífera, é notável nesse sentido. A morte não é um fenômeno que atinge apenas aos seres racionais: todo ser animado padece de algum modo de finitude. Devemos, isso sim, pensar nos termos dos limites aos quais somos condicionados, pois uma espécie de reflexão que o poeta se afeiçoa muito nem mesmo reconhece tais limites:

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

É evidente a temática espiritualista nesses dois últimos poemas que analisamos. A morte nunca é um fim em si mesmo, mas uma passagem para uma outra condição. Ao mesmo tempo em que Augusto é influenciado pelo contexto cientificista do fim do século XIX, também repercute a vida do espírito num mundo dominado pelo materialismo. O século XX será fértil no renascimento da espiritualidade e o poeta não está alheio a esses movimentos cósmicos dos quais somos modificações.
O conflito ontológico é a temática de “Vítima do dualismo”: o dualismo é exatamente essa ambiguidade que a passagem do século XIX, que concretizou no âmbito da ciência todas as conquistas intelectuais do iluminismo que o antecedeu, para o século XX, dilacerado pelas contradições intrínsecas de um desenvolvimento que não é pleno de sentido em toda a sua amplitude:

Ser miserável dentre os miseráveis
— Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiossincrasias!
Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!
Psiquê biforme, o Céu e o Inferno absorvo…
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,
Ceva-se em minha carne, como um corvo

Antagonismos, idiossincrasias, antinomias...tais palavras expressam o estado mental de um poeta que não necessita de coerência pois é absolutamente cônscio de que a vida não se resolve pela lógica racional. Há incrustado em nossas células toda a história da humanidade, com todas as possibilidades que encerram tanto a pulsão de vida quanto a pulsão de morte. Não à toa, há diversas interpretações psicanalíticas dos versos de Augusto, contemporâneo de Freud, trágico e ligeiramente pessimista como ele. Essa dimensão trágica encerra a biformidade de nossa psique, que ora vive sob o Céu da alegria, do amor, do prazer...ora sob o Inferno da privação, da melancolia, da tristeza...
O pessimismo aludido, contudo, não deve ser confundido com ausência de vontade de viver: há no tecido de nossos órgãos, nas células de nosso sangue, em cada pelo de nosso corpo uma imensa vontade de vida, de afirmar o que não pode ser negado, embora clivado pelo mistério. O poema “Saudade” também é sintomático nesse sentido, pois concilia o diagnóstico trágico da existência com a vontade de viver e descobrir cada vez mais que significa esse mistério, pois cada segundo de nossas vidas é uma ocasião de prosseguir na missão de conceder sentido para nossos atos:

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,
Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.

O alimento, portanto, do poeta é o sofrimento. Não adiante querer dele fugir, ele nos persegue como nosso alter-Ego, como uma sombra que conflita com nosso aspecto numinoso. Sangrar não é problema, pois a vida em si mesma possui uma capacidade infinita de regeneração. O nosso organismo é potente o suficiente para resistir à pulsão de morte que nos espreita, pronto a nos pôr no chão sob sete palmos.
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Andre24 13/12/2020

Desafiador
#desafioskoob 2020
7 de 12
Leitura obrigatória para todo paraibano.
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Ingrid.Pardinho 12/12/2020

Na poesia de Augusto dos Anjos a dor se torna arte
Augusto dos Anjos era um grande poeta, extremamente melancólico e profundo, não poupando palavras para demonstrar sua dor.
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Hofschneider 16/11/2020

os temas e a métrica repetitivos acabaram me cansando de alguma forma, confesso, é um autor renomado pelo seu estilo único. não achei recompensadora a experiência, gosto de poetas mais modernistas de fato, mas a forma como augusto consegue esmiuçar um pequeno universo microscópico é impressionante, e faz isto de uma forma muito elegante.
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Gi 27/10/2020

Muito mórbido
Além de ser uns poemas cansativos de se ler, acaba sendo chato pois em muitos Augusto acaba repetindo as mesma coisas, mas claro que há algumas excessões, tem poemas muito bons no meio.
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Henrique Vaz Martins 10/10/2020

Poemas sombrios que tiram qualquer um de sua zona de conforto
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Francisco 09/10/2020

Único
Poeta único. Um dos meus preferidos, juntamente com Baudelaire. Quanto à métrica, é perfeito e a introdução de termos científicos tornam sua estética genial. Indubitavelmente, é uma leitura indispensável. Minha edição é de 1914.
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Gabriel.CantuAria 29/07/2020

Pesado, profundo, muito bom quanto à métrica e prosódia. Alguns dos meus poemas preferidos estão nele.
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Nágela Soares 12/07/2020

O poeta da morte! Eu amei... Seus versos se caracterizam por introduzir no gênero poético termos mais científicos e fúnebres, sempre com um tom mais pessimista e com uma poetização do horrível.
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Beatriz 26/06/2020

Sem palavras...
Meu deus, o tempo todo fiquei de queixo caído com tanta habilidade e eloquência da obra. Um dos meus poetas favoritos
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Joyce 23/06/2020

Magnífico
A leitura foi muito agradável.
"A pirâmide real do meu orgulho, hoje sou apenas matéria e entulho, tenho consciência de que nada sou!"
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Fernando 21/05/2020

Fantástica obra. Poucos conseguem, como Augusto dos Anjos, dar vida à morte.
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Willy_Rodrigues 30/04/2020

Niilista e depressivo
Desde o início revelando-se intenso e tocante, os temas que Augusto dos Anjos aborda em seus versos afagam sua alma e conseguem fazer deste um dos livros mais tocantes de poesia.
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Sara Muniz 19/04/2020

RESENHA - EU E OUTRAS POESIAS
Dois anos antes de sua morte em 1914, Augusto dos Anjos publicou o seu único livro, intitulado "Eu". Sua primeira coletânea de poemas não fez sucesso, mas logo após a morte de Augusto, seu amigo Órris Soares, montou outra coletânea de poemas do autor, intitulada como "Eu e Outras Poesias", um livro aclamado da Literatura Brasileira e a obra poética mais marcante do movimento pré-modernista.

Augusto dos Anjos é um dos poetas mais originais da Literatura Brasileira. Infelizmente, sua obra só fez sucesso após a sua morte. O próprio Olavo Bilac havia considerado o talento de Augusto um tanto quanto medíocre. Hoje, ele é um nome extremamente importante dentro do movimento pré-modernista.

Seus poemas são bastante críticos. Ele fala do amor, da morte, da natureza, da filosofia, da química e da biologia, o que demonstra o amplo conhecimento do autor em diversos âmbitos. Não espere ler versos comuns, pois a obra de Augusto é carregada de grande sofrimento. Seus poemas pesados, são surpreendentemente tocantes. Abrem nossas feridas, nos faz pensar e questionar tudo o que está a nossa volta.

Para mim, ainda é difícil descrever o trabalho do autor, mas por meio de suas rimas, ele transmite mensagens avassaladoras, capazes de te fazer abrir os olhos e perceber coisas na sua própria vida que você nunca tinha notado antes.

Ler esses poemas é compreender o mundo de maneira diferente, é mudar a perspectiva por meio da leitura. É, talvez, ficar horas contemplando o vazio e pensando "por que estou aqui se vou morrer?". O livro te tira das bases, te sacode e te faz acordar para a existência, que não deveria ser vaga, pois isso não faria o menor sentido.

Eis algumas demonstrações do que é a arte de Augusto dos Anjos (clique nas imagens para ampliar):

...

PARA A RESENHA COMPLETA COM TRECHOS E IMAGENS DO LIVRO, ACESSE MEU BLOG:



site: http://interesses-sutis.blogspot.com/2018/04/resenha-eu-e-outras-poesias.html
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Capitu 19/04/2020

O Poeta do Hediondo
Eu e outras poesias é um conjunto de poemas exóticos de Augusto dos Anjos, publicado primeiramente em 1912 no Rio de Janeiro. Assim como Bukowski, Augusto dos Anjos mostrou que poemas não precisam ser necessariamente românticos ou divinos, pelo contrário ele tem uma visão muito sombria, material e cientifica da vida. A decomposição do corpo para ele é onde tudo acaba, onde o triunfo final não é a elevação do homem aos céus e sim do Verme que irá roê-lo pela eternidade.
Foi um autor que me surpreendeu com a sua escrita, não é atoa que Augusto dos Anjos é chamado de “o poeta do hediondo”, leia os seus poemas e fique pasmo com o choque de estranheza que percorrerá pelo seu corpo. Eu acredito que cada escritor seja especial do seu jeito e Augusto era o cara do contra, por mais simples que fosse sua vida seus pensamentos eram perturbadores, seu jeito sombrio de ver o mundo, refletido em seus poemas, o jeito de escrever que encanta e choca quem quer que o leia.
Eu era uma pessoa com muitos preconceitos com a literatura brasileira, achava que tudo que era do nosso país não prestava. Eu estive enganada durante muito tempo, nossa literatura é uma das mais complexas e foda do mundo, temos muitos escritores de valor e nós mesmo não sabemos valorizar isso, pois estamos sempre ofuscados pelo brilho que vem de fora que não conseguimos enxergar o que vemos o que nós mesmos temos. Augusto dos Anjos é o segundo autor brasileiro que eu leio, e um dos meus poetas favoritos agora, assim como Machado de Assis que fez uma escrita super inteligente de Dom Casmurro, a incógnita da literatura! Super recomendo para quem estiver interessado por algo “mais diferente”. Aprecie o nosso poeta do hedionto!
“A mesa cedo à sofreguidão do estomago
É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensangüentada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes

Eis-me sentado à mesa!

Como porções de carne morta... Ai! Como
Os que, como eu, têm carne; com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!...
Como! E pois que a Razão não me reprime,
Possa a Terra vingar-se do meu crime

Comendo-me também”
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