Helder 16/08/2019A ignorância é uma benção ou uma maldição?O Idiota de Dostoievski, publicado em 1868, é um dos livros mais complexos que li até hoje, e por isso torna-se difícil fazer uma resenha desta obra.
Antes de tudo preciso dizer que li a nova edição do livro trazida ao mercado pela Editora Martim Claret e tenho que dizer que o trabalho editorial é perfeito, me permitindo dizer que este exemplar de O Idiota é um dos livros mais bonitos que tenho na minha estante.
O livro apresenta uma capa dura marrom com o titulo em preto. As folhas de guarda e as que dividem as 5 partes do livro são pretas com texto em marrom claro, e o mais sensacional são as paginas em um tom bege e a diagramação com letras em marrom, algo que até hoje eu não tinha visto em nenhum livro.
A Martin Claret vem reeditando os livros de Dostoievski e todos seguem com estas edições luxuosas. Para aqueles que desejam ter uma bela biblioteca em suas casas, recomendo de olhos fechados a compra destas belíssimas edições.
Mas nem toda a beleza da edição consegue tornar este livro uma leitura mais leve e fluida, o que transformou esta leitura e um grande desafio que levou dois meses para ser concluído.
Dostoiveski não é uma leitura para ser feita na praia ou no metrô. É necessário concentração para não se perder no texto que divaga e conseguir extrair a mensagem que ele traz.
Se olharmos de uma maneira superficial, O Idiota é a estória de um rapaz simplório na alma que se apaixona por uma mulher inconstante, mas isso é só a casca neste enorme romance.
Em O Idiota, toda a estória gira em torno do Príncipe Lev Nikolayevich Michkin, rapaz ingênuo como Candido de Voltaire ou até mesmo a famosa Polianna.
O Príncipe Michkin é a tentativa de Dostoievski de criar o homem com o caráter perfeito, numa mistura de Jesus Cristo que a todos perdoa, com Dom Quixote, que em todos acredita.
Michkin é um rapaz que enxerga as pessoas atrás de suas mascaras, e sempre consegue encontrar coisas boas em cada um e focar neste lado. Por piores que sejam as coisas que as pessoas façam, e algumas até o afetando, ele continua acreditando na humanidade. Esta característica de extrema bondade acaba causando uma estranheza nos que com ele convivem, e muitas vezes o consideram um idiota.
Mas Michkin é um bondoso ou será que ele simplesmente não entende o que o cerca?
A ignorância é uma benção?
Confesso que realmente esta característica tão bondosa chega até irritar o leitor. E isto fez que eu me distanciasse muito do personagem, pois com certeza minhas atitudes seriam completamente diferentes das atitudes de Michkin.
Além da falta de empatia com os personagens, outra dificuldade que encontrei neste livro foi na maneira encontrada pelo autor para narrar esta estória. Diferente de Candido ou Polianna, cujos livros têm uma escrita com ações sequenciais, aqui Dostoievski foca-se nos diálogos, então é como se no livro existissem várias e enormes cenas teatrais, sempre com diversos personagens conversando e nestas cenas ele aproveita para discutir assuntos inerentes à sociedade russa da época.
O livro começa em um trem onde Michkin, agora com 20 anos, está retornando para a Rússia de um tratamento para epilepsia que fizera na Suíça desde sua adolescência.
Neste trem ele conhece Rogojin, um homem um pouco mais velho que lhe conta a estória de que quase foi deserdado pelo pai porque que se apaixonou por uma linda mulher: Nastassia Fillipovna.
Ao chegar a São Petesburgo, Michkin não conhece ninguém na cidade, mas sabe que ali tem uma parente distante, a mulher do General Epantchin . Ele vai a casa desta família e por sua bondade e simpatia, é bem recebido. E é nesta casa que vai conhecer duas mulheres que farão parte de sua vida. A bela e jovem Aglaia, filha do General e que sonha em se casar para livrar-se dos pais e Nastassia Fillipovna, a personagem feminina mais complexa e insuportável que já conheci na literatura.
Nastassia Fillipovna é uma mulher inconstante. Ela era uma cortesã apadrinhada por um homem mais velho, que a principio não está mais interessado nela, e passa a lhe buscar um casamento. Mas de repente ela decide tornar-se dona de sua vida e decidir com quem deve casar, já que pretendentes não lhe faltam. E ao ver aquela mulher e sua ênfase em sair daquela vida, o Príncipe passa a nutrir um estranho sentimento por ela, que nunca sabemos direito se é amor, ou simplesmente pena, e inicia-se ai um triangulo amoroso doentio entre eles e o obcecado Rogojin.
Mas o interesse de Dostoievski não é somente contar uma estória de amor, mas também mostrar como a sociedade se comporta, e que não existe classe social para a mesquinharia e pessoas aproveitadoras.
O autor cria cenas onde o Príncipe e sua bondade convivem com pessoas ricas (Os Epantichins, Liebediev ) e pessoas pobres, como os rapazes que aparecem exigindo direitos de herdeiro devido a uma fortuna que Michkin recebera como herança.
E para todos ele dá razão. Em todos ele encontra uma bondade.
Em muitas cenas, parece que está sempre acontecendo algo no fundo, pelas costas de nosso Principe, ou simplesmente algo que ele não percebe. Por mais esdruxulas que sejam as discussões trazdias pelos personagens, Michkin está sempre disposto a ver flores nas situações.
Desta maneira Dostoievski mostra a elite russa preocupada com aparências e linhagens e a plebe, que já começava a se incomodar com a diferença social e se revoltar, exigindo direitos iguais, numa pré revolução Russa.
Cercando estes momentos de critica social temos os encontros e desencontros entre Michkin, Nastassia, Rogojin e Aglaia, que leva o livro a um final pesado e inesperado, mas que não deixa de ser perfeito para tudo o que foi mostrado até ali.
Um livro para nos fazer pensar o quanto vale a pena ser bom. E se já era difícil ser bom em 1860, me pergunto como buscar esta essência em nosso corrido século XXI.