spoiler visualizarGabriel 24/07/2023
Difícil de ler, mas recompensador.
Ler Dostoievski é curioso, pois me vejo nesses questionamentos, "o suicida só está querendo atenção?", "uma pessoa deve ser admirada por saber articular os pensamentos mórbidos que possui?", "alguém deveria ser menosprezado apenas por querer algum elogio?".
O personagem principal, príncipe Michkin, não vê maldade nas pessoas e quando vê, sente pena delas, pois parece que vê a maldade como símbolo de uma alma em sofrimento pedindo ajuda e querendo ser amada. Assim, ele acaba sendo o único que sente compaixão por Hippolit, um tuberculoso com tendência suicida. Existe um outro personagem Kolia, que é um garotinho e ele tem muita admiração tanto pelo príncipe quanto pelo suicida. Onde todos veem fraqueza e baixeza de espirito, Kolia vê força, intelecto e coragem, ele admira Hippolit por ter escrito uma carta tão reflexiva sobre os pensamentos de alguém que sabe que morrerá e ainda ter tentado se matar.
A sensação que tenho ao ler Dostoievski é que eu não sou eu, é que tudo que existe em mim já foi pensado por algum escritor ou filósofo e que nada tenho de novo a oferecer a humanidade, assim, não importa se eu também morrer, pois sempre haverá um infeliz para sentir, pensar e escrever a exata mesma coisa que eu. Todos os complexos, egomanias e loucuras dos personagens de Dostoievski estão em mim. Detesto a narrativa monótona desse escritor e modo prolixo e desorganizado que ele escreve, sempre amontoando personagens, numa sensação de frio e fumaça de cigarro, mas o que me fascina nele é como ele zomba de mim.
Não entendo como Dostoievski pode ser mesmo tão cristão, pois sinto que os livros dele me conduzem para um ateísmo praticamente definitivo, eu me sinto uma célula em um grande organismo, e que todos os meus pensamentos são ilusões, foi tudo colocado na minha cabeça artificialmente. Nada em mim sou eu, tudo já existia antes. Dostoeviski está morto, mas tudo que ele escreve parece que está vivo dentro de mim, de algum modo.
Boa parte da história gira em torno de Nastácia, uma mulher mais bonita do que o normal que foi abusada e usada como amante por um homem mais velho, quando era adolescente, depois descartada e difamada. Querem casa-la com Gania, um jovem secretário, num primeiro momento, que aceitará a missão pelo dinheiro que receberá como dote. Posteriormente ela será disputada por Rogodin, um jovem burguês, e pelo protagonista, príncipe Michkin, ambos apaixonados por Nastácia e desinteressados em qualquer dinheiro que ela tenha.
Não entendo o que Nastácia estava buscando afinal ou o que ela queria com o príncipe, talvez Nastácia desejasse a morte, mas o autor não diz isso em nenhum momento; talvez quisesse a vida que levava, dando-se a vários homens, ou talvez quisesse sua paixão original, o homem que a tinha feito de amante quando ela era somente uma adolescente.
Me pergunto se alguma coisa nessa história faria sentido se Nastácia não fosse extremamente bonita. Talvez no fim esse fosse seu maior e início encanto, uma mulher linda que sabe que é amada tão somente por ser linda e por sua miséria despertar compaixão nos homens, tendo como obrigação ser grata pelo resto da vida aquele que a tomar pela mão e levar ao altar. Talvez ela tenha se revoltado contra isso e desejasse mesmo não se casar, como uma vingança contra o primeiro homem que amou e odiou.
Ademais o livro é muito rico e seus personagens muito complexos, embora a narrativa seja prolixa e tediosa. O autor conta muito mais do que mostra para nós aquilo que efetivamente está acontecendo. Existem muitas cenas dramáticas que poderiam ter sido escritas e enriquecido o livro, mas que o autor preferiu contar muito sucintamente como uma espécie de resumo passageiro, dando saltos enormes na narrativa, o que é muito irritante. Gosto de Dostoievski como crítico da alma humana, mas o odeio como narrador.