spoiler visualizarMathias Vinícius 05/05/2023
Um comentário sobre: O Lobo da Estepe
Interessante que minha motivação para realizar essa leitura vem de uma fala que Clarice Lispector diz na entrevistada para a TV Cultura em 1971: "fui ler aos 13 anos, Hermann Hesse e tomei um choque. O lobo da Estepe. Daí comecei a escrever um conto que não acabava mais. Terminei rasgando e jogando fora". Esse título sempre ficava na minha cabeça, o Lobo da Estepe, como que aquele livro fez isso com a cabeça daquela jovem Clarice? Com isso em mente, eu precisava descobrir. Adquiri meu exemplar no final de 2020, mas com todo o turbilhão que o mundo estava passando, acabei por deixar a leitura para um momento futuro. Eis que o momento chegou.
Comecei a leitura sem conhecer mais nada além de que o protagonista era um homem próximo dos seus 50 anos e que estava enfrentando uma crise de meia-idade, mas que parecia ser mesmo uma crise identidade ao invés de ser algo relacionando a idade. Nas primeiras páginas um narrador faz um resumo sobre o que se trata a vida de Harry Haller, um homem solitário, porém muito culto em saber, leitor de Goethe e amante das obras de Mozart, Liszt, Beethoven e outros grandes músicos. Cansado de ter que manter as aparências, frequentando lugares da alta classe e/ou infeliz por não poder ir em uma velha taberna sem ser julgado, e estando convencido de viver um eterno sofrimento.
Haller, como ele se denominava, era um lobo da estepe, vivia sozinho em um quarto de pensão e, por mais que convivesse com outros moradores, este não era bom em interagir com as pessoas por si considerar selvagem dentre os outros, como acontece em um episódio na casa de conhecido. Vendo uma gravura de Goethe, Harry fica transtornado em ver seu grande inspirador sendo representado daquela maneira, ali naquela casa de burgueses, como se a imagem estivesse ali apenas para passar um ar de intelectualidade sendo que seus donos nem ao mesmo tivesse conhecimento do que se tratava a obra do escritor.
O ponto aqui não é fazer um resumo do livro, mas falar sobre duas questões que me chamaram a atenção. O primeiro é sobre o TRATADO DO LOBO DA ESTEPE - SÓ PARA OS LOUCOS: era uma vez um homem chamado Harry Haller que andava em duas pernas, usava roupas e era um ser humano. Todavia era, na verdade, um lobo da estepe. Quando criança era terrivelmente selvagem e desobediente. Seus pais o criaram para ser o oposto dessas qualidades, contra esse seu eu interior. De certa forma, ele tinha uma ideia de que era um animal e que estava apenas coberto com uma fina camada de humanidade. Caso os sentimentos de Harry fossem demasiadamente fortes o seu lobo interior caçoava dessa sensação. E assim conviveu com tal criatura, de modo a ser infeliz a todo momento e capaz de tornar os outros infelizes também. Sua natureza dupla jamais se apartava dele. Homem e lobo vivendo em um só corpo, dividido sempre entre agradar a si ou outros. Mas de todas essas coisas, Haller era atraído pelo mundo burguês, ”como um estado sempre presente da vida humana, não é outra coisa senão a tentativa de uma transigência, a tentativa de um equilíbrio meio-termo entre os inumeráveis extremos e pares opostos da conduta humana”.
A segunda situação que chamou atenção foi a maneira de como o final do livro é encaminhado. Até as últimas páginas eu ainda estava acreditando em toda a redenção de Haller, quando entram na sua vida Hermínia, Maria e Pablo, e estes ensinaram que viver poderia ser mais que ideias fúteis que os "poderosos" ditam. Foi uma desconstrução e reconstrução do Eu do em uma forte crescente otimista para sua vida. Não dando mais ouvidos aos burgueses, deixando de sentir medo, vivendo agora em prazer, até no prazer de morrer, mas que ainda não vele morrer por ela. No fim de tudo “o verdadeiro humor começa quando a pessoa deixa de levar-se a sério” e esse era problema, Harry Haller não tinha essa noção, ele ainda conduzia sua nova vida como um protocolo e não deixava que suas relações fossem orgânicas, como inclusive, fez questão de finalizar tudo como lhe for ordenado. Dessa vez ele estava disposto a entrar nesse jogo novamente, “ele aprenderia a rir”.