Gabriel 08/08/2023
Ser um lobo da estepe é ser um selvagem aprisionado numa aparência de civilizado, e sofrer.
O livro conta a história de um homem que está quebrado, desconectado da realidade, cínico, incapaz de ver verdade em qualquer um, tudo lhe parece bobo, superficial e mentiroso. Esse homem é um intelectual, entendedor de filosofia e música, capaz de entender o belo e de vê-lo no sofrimento, mas sem uma motivação para viver, sem conseguir pessoas iguais a ele ou conexão com outros seres humanos.
O protagonista, eu senti, pareceu uma réplica de mim mesmo, porém mais velho e mais vivido, o seu desejo por suicídio é o meu desejo. Eu me vi em cada um de seus pensamentos mórbidos, falta de esperança nas pessoas e em se sentir punido por acreditar na verdade, na universalidade e entender que a guerra é estupidez, que somos nós os responsáveis por todas as guerras, que a intolerância que vemos nos nossos inimigos também reside em nós.
Talvez esse parágrafo seja SPOILER, pule para o próximo se não tiver lido. Ele encontra uma mulher que vive numa espécie de prostituição, de seduzir homens e ser bancada por eles, ela promete-te ensina-lo a dançar e que um dia serão amantes, desde que ele a mate no final. É claro, ficamos nos perguntando se eles vão mesmo ser amantes, ou se ele vai mesmo matar Hermínia, sua nova amiga. Mas a verdade é que, muito provável, Hermínia, tal como seu amigo músico, Pablo, nem existam, sejam projeções. Hermínia é a versão feminina de um amigo do passado, por isso perfeita, pois é mulher por fora e homem por dentro (alguns poderiam considerar essa idealização machista, mas acho que entendo a fantasia masculina, acho que as mulheres também devem desejar um homem que seja mulher por dentro e homem por fora, sejamos justos). Pablo, por outro lado, talvez represente aquele que é feliz, por ser sábio na ignorância, a pessoa que o protagonista gostaria de ser, ou fingir ser, para pertencer inteiramente ao mundo de Hermínia.
O livro não gira em torno de um enredo bem definido, mas sim no confronto do protagonista consigo mesmo. Ele entende que há algo de selvagem dentro de si, limitado pelo homem civilizado, de modo que nenhuma de suas duas partes consegue viver em sua plenitude.
Ao que me parece, o homem melancólico e condenado a carregar o fardo da espiritualidade encontra alguma possível salvação em entender que não existe nenhum problema real em ser como é, que também pode ser divertido ser ele, e divertido ser o oposto, sendo tudo uma experiência.
Os personagens ao redor dele, Hermínia, Pablo e Maria, são seus opostos, não vivem no mundo do intelecto, no entanto compreendem que o propósito da vida é viver, não levam a sério suas personalidades, por isso as vivem em sua plenitude.
Quanto a eternidade, quanto ao mundo atemporal somente acessado pelo espírito, essa parte do livro eu não entendi, não entendi precisamente o sentido em que os imortais são imortais. O autor propôs uma redenção, mas que talvez eu não tenha atinado. Entendi perfeitamente o problema proposto no livro, mas não sua solução, tenho a intuição que tem relação com o riso, com a valorização das fantasias e entender que a personalidade humana é algo com a qual deve-se brincar. Os sentimentos ruins, como ciúmes, devem ser divertidos, e que o importante seria o "bem"? Não sei, penso que perdi alguma coisa em meio as alucinações todas desse livro.