Cafeína 23/10/2023
Uma simples divagação sobre o romance como comunicação
A linguagem, numa tentativa de abordar a área de forma a resumir à essência, é um processo de comunicação - processamento de uma ferramenta; o conjunto de códigos que compõem uma língua são apenas símbolos, cada qual com seu significado, mas se tornam linguagem a partir do momento em que você tenta comunicar algo. Com essa introdução dispersa, o que eu pretendia era trazer a atenção a natureza mais básica da construção de um livro: a comunicação de uma ideia pelo autor. Comumente, parecem ter sido segregadas as obras entre aquelas que tem por fim apresentar uma ideia, por meio da sua forma mais crua, como por meio de um artigo ou tratado filosófico, em contraparte aos livros com o intuito de contar histórias. Mais do que dizer que por meio da narrativa de uma história, agregado à trama também se compartilha uma ideia, pretendia centrar o meu textinho sobre o texto na impressão que me permeia toda leitura, de que por meio do profundo (e talvez até, quem sabe, um tanto senil, dependendo de quem for analisar) olhar do protagonista e de uma poetica deliciosa e complexa sem a necessidade e se curvar à exageros, o autor tece um misto de argumento e postulado, mas, mais do que isso, um convite sincero a um novo olhar.
Acho que vale a discussão sobre a aparente contradição de tentar comunicar algo por meio de um romance, afinal, fora a hipótese de que seria mais divertido do que por meio de um texto, parece extremamente menos versátil, ou ainda, vai na direção diametralmente oposta, ao se acrescentarem elementos, personagens, e uma trama, puro revestimento de uma ideia, que poderia ser apresentada sem mais rodeios. Onde pretendo chegar, pouco tem a ver com o poder alegórico de uma história, mais se relaciona com a falha na comunicação, aquela velha teoria de que, no ápice da nossa subjetividade, esses esquemas todos que inventamos para nos comunicar, pouco poder tem de expressão, por mais complexos que sejam, dados os oceanos de sensações que tentamos sintetizar em uma sentença, muitos dos quais, talvez até intransponíveis para determinado interlocutor; a tentativa, ou mero esforço, de contornar esse entrave, como resume bem o Alberto Manguel, mora no poder de uma metáfora de acrescentar em informação por evocar a uma característica tipicamente humana, quase como se não se tratasse de dizer o que se quer comunicar, mas sim de evocar no outro a ideia. Pode-se dizer indefinidamente sobre a guerra, se tratando de comentar sobre como ela é ruim, sem dúvidas você terá conteúdo ilimitado, e sem dúvidas você consegue entender o porquê de ser errado, mas um mais verdadeiro e profundo entendimento sobre a questão está em acompanhar um soldado e, pelos seus olhos, presenciar todo o sofrimento, porque justamente através desse lente de sensibilidade humana que se está sendo transmitida uma ideia, como não conseguiria se transmite, por mais apurada e precisa fosse sua descrição, se desprovida do envolvimento emocional. Aliás, não se trata exatamente de um mesmo entendimento mais profundo ou coisa do tipo, como o próprio Malguel acrescenta, o poder da metáfora está em acrescentar significado pela omissão de texto, enquanto o posto, o acrescido de conteúdo por meio de uma metáfora, alcançaria o efeito contrário da comunicação; tal labirinto lógico sobre a eficiência, ao menos ao meu ver, pode justamente ser metalinguisticamente uma metáfora (ou alegoria) para o trabalho do romance, ou seja, o poder que o envolvimento em uma história, de personagens humanos e de narrativas que te fisgam, não é de melhorar ou piorar a troca de ideias, mas de justamente conseguir transmitir ideias que não poderiam ser transmitidas de outra forma.
O lobo da estepe é sensacional.