spoiler visualizarmdoria1315 21/07/2023
A grandeza do existencialismo de Hesse
Em O Lobo da Estepe, Hermann Hesse nos entrega uma obra fenomenal carregada de psicologia e espiritualismo, na qual ele exibe toda a condição humana nas sociedades modernas. Nessa obra altamente biográfica, ele nos apresenta Harry Haller, um homem perto de completar seus 50 anos de vida e que se sente à margem, permanentemente desgostoso com sua vida, a qual ele próprio classifica como uma sucessão de sofrimentos.
Haller é um homem culto, apaixonado por Mozart e Goethe, que rejeita os costumes modernos e atuais, criticando-os por sua superficialidade e falta de profundidade. Não somente, Haller é um fruto de tempos de guerra, fortemente antibelicista e crítico das convenções burguesas de seu tempo. No entanto, o próprio Haller não consegue se desvencilhar da vida burguesa, buscando sempre estar nesse meio para seu conforto, e é nesse ponto que começam as contradições do personagem.
Harry Haller, uma aliteração de Hermann Hesse,
se enxerga como um Lobo da Estepe. Um ser dual, o qual vive em eterno conflito interno entre seu lado humano, que cede às convenções sociais e carece de afeto, bondade e interações, e seu lado animal, o qual ri diante das perspectivas humanas e busca uma perpétua liberdade e negação dos valores, à moda de Nietzsche. E é desse conflito interminável que deriva a constante infelicidade de Haller, o qual não pode nunca encontrar paz interior ou ser aceito como um todo pela sociedade.
Ao longo da obra, Haller se depara com o Tratado do Lobo da Estepe, um livreto entregue por um estranho na rua o qual conta sobre toda a história de vida do protagonista e começa a explicar a grandeza da filosofia de Hesse. No tratado, é explicado sobre como todo ser tem em si infinitas facetas que trazem uma complexidade imensurável a cada indivíduo, sobre como as convenções burguesas afetam a vida de todos os humanos, sobre como nós buscamos continuamente racionalizar uma vida complexa demais para a tal a fim de nos encaixarmos, o que nunca conseguiremos. Hesse nos mostra nas menos de 50 páginas que o Tratado toma como foi capaz de compreender a natureza de todo o sofrimento humano e suas origens, através de uma perspectiva psicológica junguiana e com forte influência do existencialismo ocidental e do espiritualismo budista e hinduísta.
Hesse nos explica que somos infinitamente complexos, e que é necessário expandirmos nossa consciência de nós mesmos para cabermos, ele mostra que tudo que necessitamos para ser felizes está dentro de nós, que a vida é sim sofrida, mas que é perpetuada por momentos de felicidade e que nós devemos levá-la menos a sério, idealizar menos, e aproveitar mais. Nós não somos pobres-coitados que vivem a margem e jamais serão compreendidos, nós somos seres divinos que carregam dentro de si próprios toda a grandeza do mundo, e cabe a nós mesmos aceitarmos e acolhermos essas incontáveis facetas e entender que é preciso rir da vida, acima de tudo. Somos dados ao sofrimento e muitas vezes tomamos caminhos que nos levam a ele, quando o verdadeiro percurso que devemos tomar é aquele que nos leva à leveza, ao prazer espiritual e carnal, a nos regozijarmos como um todo, a unir todos os fragmentos que nos compõem. Nas palavras desse grande escritor: ?o seu mundo é a sua alma?.
Experienciar essa obra foi uma aventura épica encantadora, que abriu meus olhos de maneira que eu jamais considerei possível, que expandiu meus horizontes para as infinitas possibilidades de felicidade que a vida é capaz de oferecer. Ela me ensinou que é preciso suicidar as personalidades fixas e sofridas que criamos para nós mesmos para então podermos viver. É uma leitura magistral que tenho plena certeza de que não faço justiça ao seu inteiriço nessas palavras, mas espero falar algo que homenageie a grandeza do Hermann Hesse, o qual permitiu que eu o conhecesse como a um amigo e com quem me identifiquei tanto, e que incentive mais pessoas a ler essa história fantástica e tão necessária. Sei que em pensamento serei eternamente grato ao Hermann por tê-la escrito, e ao universo por ter feito-a parar em minhas mãos.