alineaimee 20/12/2011O livro narra a história de Harry Haller, um misantropo de cinquenta anos que não consegue se ajustar à vida burguesa e capitalista, e que passa a maior parte do tempo bebendo e consumindo música e literatura erudita. Sua personalidade tem um aspecto intransigente e antissocial, incapaz de se adequar à sociedade, à massa, à média e à vulgarização burguesa da vida e dos valores, que ele chama de "Lobo da estepe". Esse lobo está em constante embate com sua faceta mais civilizada. Certa noite, ele recebe de um propagandista ambulante um livreto chamado O tratado do Lobo da Estepe - Só para loucos, onde Harry reconhece a descrição da própria história.
O início do livro é bastante teórico e traz apontamentos psicológicos. Conforme a introdução de Ivo Barroso, Hesse contava cinquenta anos quando o escreveu e andava envolvido em estudos e tratamentos de psicanálise jungiana, que teriam influenciado sobremaneira a abordagem surrealista do romance. A obra traz ainda influências da filosofia oriental e teor autobiográfico. Crítico do militarismo alemão, do nacional-socialismo e da guerra, Hesse preocupava-se com as grandes questões sociais e políticas de seu tempo.
É na segunda parte que a ação ganha fôlego, pois Harry conhece a cortesã Hermínia e o músico Pablo, espécies de contra-partes que irão conduzi-lo ao esclarecimento e à libertação pelos quais ele tanto anseia, através da experimentação de hábitos que ele julgava abomináveis.
A teoria mais interessante do livro é a da multiplicidade do ser, que em vez de uno ou dual (como Harry acreditava ser) seria multifacetado, com diferentes personalidades simultâneas, algumas mais desenvolvidas que outras. Os demais personagens, inclusive, seriam alegorias de outras facetas que Harry precisava libertar e cujo contato contribuiria para o seu autoconhecimento.
O livro parece querer nos alertar para o perigo de nos atermos a estereótipos engessados que não só turvariam nosso julgamento em relação aos outros, mas, principalmente, tolheriam nossas atitudes, impedindo-nos de experimentar a vida na plenitude de nossas potencialidades.
Abordando o sofrimento, a dúvida, a perda e a desagregação - elevados ao extremo que um ser humano pode suportar - O Lobo da Estepe revela-se um livro difícil de ser lido, não só pela complexidade teórica e pela rabugice do personagem, mas também pelo questionamento que nos convida a fazer sobre nós mesmos. Haller se redescobre, depara-se com novos mundos, novos amigos, outras atmosferas, desvenda dolorosamente o seu interior para, finalmente, ver-se integrado e redimido.
À semelhança do Fausto goethiano, Harry compreende que sua erudição e interesses elevados podem conviver com prazeres mais mundanos, numa postura mais engajada. Nesse sentido, O lobo da estepe não é um livro "só para loucos", mas decerto exige coragem para pensar o mundo e a existência fora da nossa zona de conforto.