Cleyton Abreu 27/03/2016Sabe de nada, inocente.Professor: Fulano, quando termina o período medieval?
Aluno: Como o sr. disse anteriormente, professor, a Idade das Trevas termina com a tomada de Constantinopla pelos otomanos.
Professor: E o que acontecia na Idade das Trevas?
Aluno: Ora, como o próprio nome diz, as pessoas eram incapazes de raciocinar, presos em castas sociais e dominados pela espada ou pela cruz. Para além disso, tudo é morte, peste, guerra, estupro e dor. Toda a recompensa viria depois da morte, onde a justiça divina alcançaria a todos.
Professor: Exatamente, siga sua vida com essas informações.
Décadas depois desse diálogo, encontro esse livro, cuja mulher na capa me diz com o olhar: Sabe de nada, inocente.
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O livro é "O outona da idade média"; o escritor é Joseph Huizinga; e a mulher que me reprovou aparece no quadro "Retrato de uma jovem" do pintor Petrus Christus.
Joseph Huizinga é um historiador e culturalista holandês. "Sonhador acordado", como se denominava, não gostava do seu mecânico século XX, nem das novidades que trazia (Estados Unidos, Marx, capitalismo, Freud, arte abstrata, etc).
O livro trata de diversos aspectos da baixa idade média na região da Borgonha. Apesar de a região central da Europa concentrar os maiores e melhores estudos medievais, Huizinga é pioneiro por ser um historiador do pensamento, por estudar a vida medieval através das mentes, vontades e sentimentos dos que viviam lá.
Aprendi com esse vídeo (
https://youtu.be/FU8Itg58oIY) que nossa história bebe muito da visão de mundo iluminista, positivista e crítica. Essas visões tecem críticas à Idade Média, seja por não se prender aos fatos, datas e nomes, seja por sua estagnação social.
Como assim 1000 anos de avanço e complexidade do poder político, o período rico e fértil para pensadores e artistas se unirem em universidades e formarem categorias, como esse período pode ser chamado de Idade das Trevas? Como pode ser simplificado em domínio social pela Igreja ou chamado de "vácuo" entre a Antiguidade e o Renascimento?
Mais do que a visão da morte, o significado de cavalaria ou a ideia de belo e amor no medievo, vejo o livro todo como duas mensagens do autor:
1) Não sejamos tolos. A história humana é muito mais do que luz e sombra e seu período medieval foi essencial para formar o Renascimento, além de preservar o patrimônio imaterial da Antiguidade. Veja como Huizinga chama a baixa idade média de "outono" com a clara alusão à riqueza e abundância da estação.
2) Somos parecidos. Várias vezes vi, nas contradições de vícios e virtudes do sujeito medieval, nossa própria contradição contemporânea. Isso me deixou meio sem chão, meio pessimista (fomos, somos e seremos esse povo incoerente)... mas já passou, hehehe
Esse livro me ensinou algumas coisas além da história: Como somos parecidos com esse pessoal de 1000 anos atrás e, consequentemente, como nós aprendemos história sob influência do meio cultural, tratando o conhecimento adquirido como se fosse verdade absoluta. Toda a história humana é extremamente rica e múltipla.
Fora isso, a edição da Cosac Naify é excelente por ter colocado várias ilustrações, notas de rodapé, entrevistas e um apanhado geral para entendermos o que o autor queria dizer e um pouco mais.
Huizinga é um generalista. Talvez a leitura seja um pouco incômoda no começo pelo fato de não se parecer com os livros de história que encontramos por aí, mas é justamente por isso que é bom.