João Pedro 28/02/2024"Num intervalo de fantasias e sonhos"Publicado pela primeira vez em 1982, o livro narra a peregrinação de Rísia de São Paulo até Tijucopapo, em Pernambuco, localidade fictícia na qual sua mãe nasceu. É a viagem, que é de encontro (ou de retorno) consigo mesma, que dá corpo à obra. Esse livro é, mais do que destino, sobre caminho. O "caminho árido de babaçus e mocambos" percorrido por Rísia, em um gigante fluxo de consciência do início ao fim, por vezes confunde a leitora, mas logo reassume a forma de contação de uma história - a história da vida de Rísia, para quem "tudo aconteceu mesmo nesse tempo de menina. O resto, a vida, é redundância".
O livro é de uma poesia crua belíssima. Rísia me lembrou um pouco a Macabéa de Clarice Lispector, mais pelo sofrimento semelhante do que pela resignação diante da vida. Rísia, que é cheia de opiniões, sente - e narra - o peso de viver uma vida difícil. "Eu só vivo no mundo porque não há outro lugar para viver. Porque o mundo, de São Paulo a Recife e aos lugares todos onde se rodam os filmes de cinema, o mundo mesmo dói demais".
O romance de Felinto é, definitivamente, uma experiência. Tanto pela potência da linguagem, cheia de repetições de palavras e de narrativas que não seguem uma ordem cronológica aparente, mas que depois se concatenam, como pela força de Rísia, que tem um quê muito autobiográfico da autora, que conta sua história "como se tudo acontecesse num intervalo de fantasias e sonhos".