Toni 16/03/2023
Leituras de 2022 | Literatura & Resistência
As mulheres de Tijucopapo [1982]
Marilene Felinto (PE, 1957-)
Ubu, 2021, 240 pág.
Lançada às vésperas do romance de estreia de Marilene Felinto completar 40 anos de sua primeira publicação, a presente edição de As mulheres de Tijucopapo, repleta de textos de apoio, celebra com muita propriedade uma obra potente (poética e rascante, mítica e ontológica), marco da lit. bras. contemporânea. Muitos rótulos poderiam ser atribuídos a esta narrativa – romance de formação ou de estrada, romance psicológico ou utópico – mas nenhum sozinho é capaz de dar conta da experiência de leitura ou da complexidade de sentidos que a obra enseja. Em primeira e última análise, talvez seja melhor defini-lo com as palavras de sua narradora, Rísia: “Sou [este romance é] uma mulher indo sozinha pela estrada.”
É a partir deste caminhar telúrico, de retorno às origens e que, não por acaso, dura os mesmos 9 meses de uma gestação, que Rísia volta de São Paulo a Pernambuco, mais especificamente à cidade de sua mãe, Tijucopapo, vilarejo onde, em 1684, um grupo de mulheres resistiu à invasão dos holandeses com armas improvisadas. Essa matriz histórica, no entanto, apesar de ser ponto de partida e de chegada do livro, não é explorada pela narrativa de forma literal (como se fosse um romance histórico), mas consiste no suporte mítico de resistência feminina que atravessa o percurso e o discurso de Rísia, em direção a uma renovação da luta contra o patriarcado e a desigualdade social.
Marcada por negligências (“Mamãe me cansava de indiferença, mamãe era uma merda.”), traumas coletivos e por uma reiterada estraneidade – uma nordestina em São Paulo, uma mulher negra em São Paulo, uma estudante pobre em Higienópolis (“As pessoas, menino, são fogo do inferno. Dos quintos do inferno. As pessoas me esculhambam, só sei disso.”), Rísia é uma personagem complexa que nos preenche com seu ódio, sua rebeldia criativa e seus momentos de dúvida e ternura. Perdido em reminiscências, seu caminhar de volta à terra da mãe, onde encontra uma revolução em fomento, é ele próprio um lugar de transformação no qual “pessoas são jeitos perdidos” e “o mundo mesmo dói demais."