Ricardo Silas 15/06/2015
O contágio emocional
Frans de Waal é um professor de psicologia e primatólogo que decidiu dar um basta às afirmações que se apoiam no egoísmo, ganância e competitividade como força motriz da natureza, geralmente assumida por políticos e economistas. O objetivo de quem adere ideias como essa, diz Waal, consiste em querer justificar atos que ignoram as pessoas em situações de pobreza, culpando-as pela miséria na qual padecem. Ou seja, isso isenta enormemente a responsabilidade do governo quanto ao assistencialismo e justiça social, enquanto os mais ricos se locupletam no poder sem serem estorvados pelas causas da maioria pobre. Nenhuma proposta hobbesiana (Homo homini lupus) se baseia em premissas inteiramente corretas. É claro, e isso Waal não nega em nenhum instante, trata-se de uma meia verdade o fato de que a espécie humana é agressiva e, em alguns casos, desprezível em relação ao bem-estar de seus semelhantes. Mas há outro lado que muitos ignoram, no qual se encontram os milhares de exemplos que consagram o caráter comunitário, cooperativo e altruísta da nossa espécia e de várias outras, inclusive primatas. Antes de adentrar nos resultados de pesquisas voltadas ao comportamento empático dos animais, primeiro o autor se preocupa em destruir duas falácias que em nada contribuem à psicologia social e à neurociência: a falácia naturalista e o darwinismo social. Claramente se nota que não há qualquer embasamento honesto que ratifique uma moralidade sustentada por eventuais fatores comportamentais da natureza, pois como bem coloca o autor, a natureza é uma bíblia, e dela muitos buscam ler aquilo o que querem, conforme seus interesses, "da tolerância à intolerância". Logo, não é uma boa ideia tomarmos a naturalidade da violência como uma prescrição moral apenas porque, às vezes, os animais são violentos. As desconstruções são decisivas para a compreensão do livro e sua mensagem central, que é a de que existe um equilíbrio entre empatia e egoísmo na natureza, e que esses fatores, cada um ao seu modo, nos torna seres sociais, e não meramente competição e insensível ganância e sede de guerra, como pateticamente sugerem aqueles que fazem mau uso da biologia e da evolução. Aliás, eis aqui uma alternativa que contradiz o obsoleto contrato social de Jean-Jacques Rousseau, que é a de que a sociedade prescinde em milhões de anos a nossa espécie, e não fomos nós que a inventamos arbitrariamente. Mas o que Frans de Waal também propõe além disso? Imagino que não seja uma tarefa simples a de extrair razões emocionais embutidas em comportamentos de animais não-humanos, embora as evidências apontem nessa direção. Com exemplos que atravessam desde as sociedades de chimpanzés até as do macaco-prego e golfinhos, Waal se concentra em demonstrações quase puramente altruístas de animais que ajudam os outros sem nenhuma exigência ou troca de favores. Algumas demonstrações incluem certa dose de auto-interesse em que as pratica, mas em nada isso descarta a satisfação que se sente ao se colocar no lugar do outro e promover seu contentamento imediato. Há, também, uma grande dedicação do autor para esclarecer alguns aspectos que fomentaram as crises que o sistema financeiro sofreu em 2008, e a forma como a doutrina do livre-mercado está encharcada de pessoas que não emitem uma visão completa da biologia, ou quando o fazem, esquecem de elaborar uma boa maneira de permitir que assuntos biológicos se misturem com a política. O leitor que compreender as camadas que se desdobram em meio aos estímulos empáticos, ora benéficos ora maléficos, terá maiores chances de se esforçar para agir solidariamente com o próximo. Apenas essa capacidade é profunda o suficiente para nos sentirmos cada vez mais humanos.