Lucas Rabêlo 26/04/2023
Memória lúdica
O apego às juvenilidades proposto por Barrie em sua obra maior, julga brincar com um período satisfatório de nossas vidas, quando inseridos numa mágica constatação do fantástico, perseverado nessa fase infantilizada. Quando crescidos, e ainda afoitos por ela, gera essa negação que me parece outra afirmativa discorrida pelo autor para explicitar as amenidades do crescimento – em forma de Peter Pan.
É um livro que se encara pelo ponto vista fabulesco. É divertido, pueril (se assim decidido pelo leitor), maravilha pelos detalhes da composição dos personagens e da geografia da Terra do Nunca. Mas ainda contém, na toada psicanalítica, um protagonista que representa a avareza da complexidade adulta. Além dela, Peter Pan é ignorante quanto aos dissabores e às particularidades básicas vivenciadas na comunidade inglesa. O seu escape, a ilha, vive aos seus modos e conforme a sua vontade. Não há disciplina, apenas aventuras infinitas ao lado dos Meninos Perdidos, crianças cúmplices, que complementam o que parece ser o escopo esperado da mentalidade de uma criança que visualiza a diversão como recreio particular.
A resiliência dos irmãos Darling, liderados por Wendy, em preservar suas lembranças de casa, da família e de uma mãe, como exemplo máximo de suas existências, condiz com os receios de Peter em inserir qualquer organização estrutural em seu microcosmo lúdico. Logo, as inserções de Wendy em lhe refrescar de seus momentos passados são um atino do autor em estabelecer a ordem social no crescente de toda e qualquer pessoa, depois do nascimento, o crescimento, suas obrigações, e por fim, a morte. Uma percepção discutível hoje. Tudo converge à vontade egóica do protagonista em ser autoridade máxima de si e dos demais. Pan é, apenas, um simbolismo da herança imatura do ser humano.
Validado como mais que somente um conto de fada moderno, é necessário engajar na proeza de Pan em dissimular ignorância ao desconhecido. Até mesmo o mítico Capitão Gancho dispõe de pontos cruciais nas teorias do livro, é um homem vivendo do amargor da existência invejosa de seu inimigo – um garoto livre das cruezas de mundo. No idílico mundo ideal, vivem ele e os bilhões de corpos que se confortam em seus pretéritos existenciais, nessa brincadeira sem fim em surfar na síndrome de Pan, o tal medo em crescer. Não custa fugir pra um lugar onde o tempo é um mero detalhe, mas, também, lembrar-se do caminho de volta, aqui, ele ainda é cronológico.