Augusto Queiroz 31/01/2022
Uma noite no Rudon e não tem mais volta...
Primeiro contato com o autor Yukio Mishima que conheci em 2007, no seriado "Toma Lá Dá Cá", da TV Globo, cujo personagem Adônis aparece lendo este calhamaço. Depois de 13 anos de procura, finalmente em 2020, consegui uma edição e a curiosidade se manifestou nos primeiros dias de recebido. A edição publicada em 2002, reimpressa em 2009, e dada como esgotada desde 2011, que vem sendo relançada pela Companhia das Letras divide opiniões quanto ao seu teor aparentemente misógino, mas que não passa de subterfúgio para a escrita de praticamente uma análise sobre os desejos mais profundos dos homens, ainda não explorados, principalmente numa sociedade e contexto histórico onde a homossexualidade era comparada à feminilidade, que sempre foi mais complexa do que o simples desvio sexual que muitos até hoje pensam o ser.
A história começa com Shunsuke, um escritor que vem de três casamentos malfadados, que quer se vingar das mulheres, em nome de suas três ex-esposas. Recentemente, uma coletânea sua foi relançada e ele parece estar ainda no meio de algumas rodas. Conhecendo o jovem e sedutor Yuichi - que é homossexual em segredo - ele planeja dar um martírio psicológico, de como a todas as mulheres do mundo, através da moça que está prometida em casamento a ele, Yasuko. No início, Yuichi acredita estar sendo levado apenas por uma brincadeira inocente, já que sua esposa - como qualquer mulher num Japão ainda muito machista - nem liga para o que ele faz fora de casa, porém ela começa a desconfiar do marido, contrariando seus pensamentos. Já Yuichi, introduzido por Shunsuke no Rudon, um "bar gay" da Tóquio pós-guerra, ele conhece e se relaciona com homens os mais diversos. A trama começa a ficar perigosa quando Yuichi se envolve romanticamente com o casal amigo de Shunsuke, o misterioso idoso Nobutaka e sua esposa, cada um por vez, o que desafia perigosamente o lado "submisso" de Yasuko, e leva também a própria família do marido a caçar o seu passado e seu presente. Yasuko consegue engravidar e ser mãe, que é o que serve para disfarçar as aparências desse casamento entre uma submissa e esperta esposa, e um homossexual "encubado", muito embora Shunsuke ainda tenha uma carta na manga, e Yuichi não seja tão ingênuo quanto seu mentor imagina, o que pode leva-lo a consequências maiores.
Meu primeiro contato com o sempre comentado Mishima, foi numa nota sincera 90% positiva, apenas com ressalvas, o livro se torna bastante prolixo quando o autor começa a divagar sobre arte, coisa que Shunsuke faz e muito. Também alguns personagens não têm muito tempo de escrita, alguns até aparecem e somem em poucas páginas, só são notados porque se envolvem com Yuichi em algum momento. Com um final também um pouco filosófico, "Cores Proibidas" traz boas frases que podem ser destacadas como citações, mas enrola um pouco no quesito "prosa", pois se cortássemos as divagações de Shunsuke, não daria nem 350 páginas do que realmente importa na história, e seria bem mais fluido. Sem contar a misoginia disfarçada em algumas passagens, outras que saltam aos olhos, da boca do próprio Shunsuke, mas lembremos o contexto histórico, para a época, infelizmente era comum. O desafio não é interpretar o contexto histórico, mas interpretar as intenções de Shunsuke e dos demais personagens para com Yuichi, que mudam a cada página.
Quem sabe o próximo Mishima me traga melhores impressões. Ainda é o primeiro. Mas de uma coisa, tenha certeza, uma vez que você leia, e pior, uma noite no Rudon, e não tem mais volta! Principalmente para quem é gay.