Renata CCS 29/03/2014As escolhas são feitas em poucos segundos e se pagam durante o resto da vida. (p. 277)A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. (Fernando Pessoa)
Eu sei que não devo julgar um livro pela capa, mas a delicadeza da imagem nesta obra, com aqueles olhos que pedem para serem lidos, e o título poético, foram uma conquista de imediato. Como se isso não bastasse, as diversas indicações positivas aqui no Skoob fizeram A SOLIDÃO DOS NÚMEROS PRIMOS entrar para o topo da minha lista de leituras finais de 2013. Um livro envolvente, intenso e comovente onde a angústia e a beleza confrontam-se e se completam - a todo tempo.
Alice e Mattia são os protagonistas problemáticos: adversidades marcaram a infância, o corpo e a mente de ambos. Após sofrer um acidente de esqui que a deixa com deficiência em uma das pernas, Alice torna-se extremamente insegura e, ao mesmo tempo, tenta a todo custo esconder da família que sofre de anorexia. Já Mattia é aluno inteligentíssimo, porém muito esquivo, convive com uma gigantesca culpa por ter abandonado em uma praça a irmã gêmea com problemas mentais, Michaella. O desaparecimento da irmã e o sentimento de impotência em nunca tê-la encontrado desencadeiam em Mattia um comportamento autodestrutivo que o marcará por toda a vida. Alice encontra sua paixão, um refúgio, na fotografia, enquanto Mattia encontra seu mundo, seu porto seguro, na matemática. É a relação dos dois que justifica o título do livro: eles são sós, e esta solidão é a principal protagonista de suas vidas. Distantes dos colegas e negligenciados por suas respectivas famílias, acabam permitindo que suas vidas se toquem, mas não são capazes de abrir mão deste distanciamento em relação a outro ser humano. Alice e Mattia sentiam-se seguros na solidão porque, mais do que um estado de isolamento, isolar-se também é uma forma de liberdade, embora inconstante.
É difícil falar de um livro que consegue chegar tão perto daquilo que sentimos em nosso íntimo. Da primeira a última página a solidão nos acompanha e o mais interessante é que em nenhum momento ela se impõe ao leitor: simplesmente está impregnada em todo o livro, como se florescesse no meio das palavras. Acho que este é um ponto comum entre livro e leitor: o medo de ficar sozinho, de ser sozinho, que acompanha o ser humano. Afinal de contas, em nosso íntimo todos nós temos nossa própria solidão. Porque nos sentimos, às vezes, como um número solitário, sem gêmeo.
A narrativa é tão sólida, sensível e sutil que ganha a atenção do leitor pelo fato de ser muito realista, muito humana. Assustadoramente humana. A escrita é bem estruturada e os protagonistas são impressionantemente bem construídos. Reais. É interessante notar a solidão como algo inerente ao espírito de Alice e Mattia: não é um determinado momento da vida, mas toda a vida deles. O autor narra a infância de ambos, a adolescência e a vida adulta, bem como as dificuldades, as angústias e o sentimento de inadequação que os acompanha em cada fase. São personagens complexos, indivíduos que podemos identificar em nosso cotidiano, que apesar da aparente normalidade, muitas vezes ocultam traumas que causam desconforto e sofrimento, sentindo-se sempre deslocados perante o mundo. Uma história triste, mas bela. Tão simples, mas tão profunda. O livro é a cara da vida.
Transformando a matemática em pura poesia e a prosa em íntima reflexão, Paolo Giordano desenvolveu um relato extremamente apaixonante, humano, e me cativou totalmente em sua estréia como escritor. Grandioso e nobre - e nada pretensioso - o livro é, sem dúvida, para se ter, ler e reler, ser pensado, absorvido e respirado. Para mim, uma obra ímpar.
"Viviam a lenta e invisível compenetração de seus próprios universos, como dois astros que gravitam em torno de um eixo comum, em órbitas cada vez mais estreitas, cujo destino claro é o de se unir em qualquer ponto do espaço e do tempo."
Resenha originalmente publicada em 11/11/2013.