Nanda Lima 15/12/2014
Quem vigia os vigilantes?
Watchmen é nada menos que a obra-prima de um gênio. Em 1983 Alan Moore publicou, na revista britânica Warrior, a série V de Vingança [resenha aqui], que chamou a atenção de todos, inclusive do mercado americano. E após ir para os EUA trabalhar para a DC e revitalizar o título Monstro do Pântano, decidiu escrever uma maxissérie com heróis secundários da editora que não interferisse no universo regular. Com as ilustrações do talentosíssimo Dave Gibbons, com quem Moore tinha uma grande facilidade em trabalhar, e colorização de outro cara brilhante, John Higgins, em 1987 era lançada a maxissérie mensal em 12 edições que mudou, para sempre, o jeito de se fazer quadrinhos de super-heróis.
Li e assisti a várias resenhas dessa graphic novel, tanto antes quanto após lê-la, e nenhuma, absolutamente nenhuma, consegue passar para o leitor/espectador sequer uma parte das inúmeras nuances que estão contidas na obra. Acho que isso se deve, em parte, à característica humana de se deixar tomar pela emoção ao falar das coisas que mais admira. Resenhar uma obra de Alan Moore, especialmente esta, é uma tarefa muito difícil e perigosa para qualquer fã de quadrinhos. Outra dificuldade tem a ver com o fato de existir dentro da obra várias histórias em camadas, e ao resenhar a HQ deve-se escolher quais delas devem ser comentadas. O que é uma tarefa árdua. Penso que falar de um clássico – seja do cinema, da Literatura, dos quadrinhos – é difícil porque, resumindo, ele não apresenta apenas uma visão de mundo, mas encerra em si UM mundo. E mundos são complexos demais.
Watchmen trata, fundamentalmente, da humanização e desconstrução dos heróis. Alan Moore pensou e passou para o papel como seria, de uma forma bem realística, se os super-heróis existissem realmente: como isso afetaria a sociedade, a política, a religião, os costumes, a tecnologia, a corrida espacial e tudo o mais. Como todos nós reagiríamos a justiceiros encapuzados que saíssem por aí lutando contra o crime? E se algum, ou alguns deles, tivessem super-poderes de verdade? Seria considerado um deus? Uma abominação? Um perigo para a humanidade? E quais seriam as verdadeiras razões para pessoas se vestirem de maneira espalhafatosa e arriscarem suas vidas para praticar heroísmo: um desvio psicológico (ou sexual), nobreza de espírito, tédio, desafio às autoridades?
Escrita em um momento de clímax da Guerra Fria, em que pairavam sobre a cabeça do mundo a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial – desta vez nuclear – e a perspectiva de aniquilação total, a HQ transpira o medo, a desesperança e a neurose dos anos 1980 (assim como V de Vingança). E um quadrinho tão adulto, com temas adultos e linguagem adulta, mostrou para o mundo que a 9ª arte poderia – e deveria – ser também voltada para o público adulto. Sua importância e qualidade são tamanhas que foi considerada, pela revista Time, uma das 100 obras da Literatura mais importantes do Século XX (a única HQ da lista), ao lado de livros como 1984 de George Orwell (que exerceu grande influência sobre a obra de Alan Moore, como ele mesmo admitiu), dentre tantos outros grandes clássicos.
A edição publicada pela Panini Comics há alguns anos e republicada este ano – estava esgotada em todo lugar – tem o preço de capa de R$ 110, mas pode ser encontrada por muito menos (paguei R$ 66 na minha, comprada na editora FNAC). É uma edição definitiva e de luxo, com um acabamento fantástico, contendo papel especial, capa dura e extras fenomenais (que te permitem entrar na cabeça de Alan Moore no começo do processo de criação e entender de onde ele tirou muitas das suas ideias para os personagens e roteiro). É uma edição que vale muitíssimo à pena ter na estante e que recebeu o tratamento gráfico que merece (a recolorização digital feita pelo próprio John Higgins ficou espetacular).
Acho que não preciso nem dizer que recomendo a leitura de Watchmen. Levanta logo dessa cadeira e vai comprar/baixar e ler!
site: www.umaleitoraassidua.blogspot.com