spoiler visualizarOsíris Reis 10/02/2012
Não é bem uma resenha...
Não me sinto confortável fazendo uma avaliação "não-pessoal" do livro. Prefiro assumir minhas parcialidades para dar ao meu leitor a chance de contra-balanceá-las ao analisar minha análise. :P
O livro exige uma memória verbal enorme, que não possuo. Não aproveitei o livro tanto quanto poderia por esse motivo. Jogadores de D&D podem apreciar mais, inclusive se visitarem a enciclopédia do livro, no próprio site da editora.
Independente disso, alguns pontos que me agradaram e outros que desagradaram...
Os primeiros capítulos me pareceram lentos e com informações demais. Começou a melhorar com a saída dos personagens da vila. A narrativa é pouco aristotélica nesse sentido, foge ao esquema clássico, "comercial", de contar histórias. Geralmente se apresenta, logo nos primeiros capítulos, o conflito principal. O autor recusou-se a seguir essa receita, e às vezes isso funciona para o leitor, às vezes não. Nesse caso, só me interessei mesmo pela história depois de páginas demais. Da mesma forma, no final, após o último clímax (que já tinha cara de encerramento do livro), ainda li uns capítulos com desfechos de personagens que, para mim, poderiam ficar em uma ou duas linhas.
Há um certo "não se levar demais a sério", do autor, que às vezes funciona, às vezes não. Em alguns momentos isso vira irreverência e humor, que são positivos. Em outros, tive a sensação de que o autor está usando uma linguagem infantil. Talvez isso também tenha relação com a história não começar "já quebrando pau", talvez tenha a ver com tentar imprimir um tom tribal à narrativa. E cara, isso é difícil, tanto porque não estamos tão acostumados, quanto porque desperta a Síndrome do Capitão Barbosa (geralmente se engole mais fácil um Capitão Interestelar Joe do que um capitão interestelar Barbosa), quanto porque é tênue a linha que separa a simplicidade tribal da depreciação infantilizadora.
Outro ponto: a sexualidade. As personagens são muito mais liberais que o que estamos acostumados, e a "sacanagem" rola solta, sem ser pornográfica. Monogamia? Heteronormatividade? Pode esquecer isso no universo do livro. Na verdade, pode até se preparar para algo muito próximo a zoofilia (com todos os envolvidos no processo realmente inteligentes e de maneira consensual, ao contrário da zoofilia no mundo real). Entretanto, o autor também parece cair num clichê ao colocar o "casal" principal como um homem e duas (ou três) mulheres. Será que foi inconsciente? Será que foi planejado dessa forma para descer melhor na garganta dos marmanjos? Só o autor pode dizer. Mas a menina que começa estritamente lésbica, no meio da história, ter sido muito violentada não ajuda a pensar no politicamente correto. Ela, no final, passar a fazer sexo, mesmo que sem muita diversão, com homens, também não ajuda muito. O casal de homens, no começo da história, ser de fanfarrões irresponsáveis sem importância para o resto da história também não ajuda. Claro, o politicamente correto pode virar nos escravizar no dia-a-dia, como minha mentora feminista advoga. Mas... eu (e essa é uma afirmação MUITO pessoal) acredito que sempre podemos cavar mais fundo esse politicamente correto, embora compreenda os limites de cada história e autor.
Os deuses, do título, são uma atração à parte, bem como a magia. Acho que o autor é ateu, embora a pesquisa sobre magia e a "teoria" dele para deuses sejam bem interessantes, para mim, sacerdote neo-pagão, leia-se, bruxo (Não que eu acredite nessas teorias do livro no mundo real, "o buraco é mais embaixo"). Detalhes interessantes na magia, usos interessantes, interface entre magia e cotidiano social interessante, relações interessantes entre divindades, outras divindades, espíritos e humanos. Agora, como sempre, o livro tem seu "catecismo", e acho que trocando o nome da guilda dos protagonistas, talvez ficasse menos desagradável descobrir a função catequizadora do livro.
A sociedade descrita no livro é repleta de pontos interessantes. E os vários clímax do livro também têm uma boa dose de originalidade.
Resumo da ópera: gostei de ler a história, embora já tenha lido várias melhores e várias piores também. Fica a sensação de que o autor seguiu à risca uma receita para arrebanhar RPGistas para a cultura nacional e para uma relação mais... "responsável" com o misticismo e com a sexualidade. Às vezes fiquei com a sensação que o autor conseguiu casar essa missão com diversão muito bem, às vezes mais ou menos e às vezes não. Pra minha experiência de leitura, com todas as parcialidades e limitações minhas, nota entre 3 e 4.