jota 21/02/2021BOM (retrato de um garoto líbio nos tempos da ditadura sangrenta de Muamar-al-Kadhafi)Lido entre 25/01 e 20/02/2021. Avaliação: 3,8/5,0
Suleiman tinha nove anos no verão de 1979. Vivia com os pais numa casa confortável em Trípoli e brincava na rua com seus amigos da vizinhança. É o ano em que Muamar-al-Kadhafi (1942-2011), no poder desde 1969, consolida seu governo socialista islâmico e muitos opositores do regime são torturados e mortos. Como ocorre com o pai de Karim, então seu melhor amigo, enforcado num estádio, com transmissão pela televisão. Baba, o pai de Suleiman, passa a ser investigado por suspeita de traição e, para proteger o menino, ele e a mulher resolvem mandá-lo para o Cairo aos cuidados de uma família amiga. Em 1994, os vinte e quatro anos, Suleiman relembra sua história: já faz catorze que nunca mais os viu.
Hisham Matar, o autor, nasceu em Nova York em 1970, de ascendência líbia, passou a infância em Trípoli e no Cairo e reside em Londres desde 1986. No País dos Homens tem inspiração autobiográfica e vem com o elogio do autor de Desonra e Infância, o nobelizado J. M. Coetzee. Ele escreveu que essa é “a história comovente de uma criança exposta cedo demais à crueldade da política líbia”. Suleiman não entende muito bem o que se passa a sua volta, nem mesmo quando o pai é trazido para casa todo arrebentado depois de torturado porque sua mãe lhe esconde a verdade e não permite que ele o veja naquele estado.
O que o garoto entende é que fora de casa há homens maus (a Líbia era o país dos homens do título, onde as mulheres eram apenas esposas e mães), que algum perigo ronda sua família e ele tenta, aos menos mentalmente, proteger os seus. Ainda que de vez em quando suas atitudes irritassem a mãe, especialmente quando o pai estava fora, já que costumava fazer frequentes viagens de negócios ao exterior. Daí que a narrativa de Matar, conforme assinala a Companhia das Letras, assume uma “combinação inusitada de lirismo, ingenuidade e crueza.” O que torna o livro bastante emocionante e interessante, mesmo que não se aprofunde tanto assim na história da Líbia daquele tempo. Entende-se: as coisas estavam sendo narradas por uma criança de nove anos. Mas com a capacidade de observação de certos fatos que somente um adulto seria capaz. Claro, assim é a literatura, ela tem essa liberdade. Na Líbia a liberdade não abriu totalmente suas asas sobre o povo. Abrirá um dia?