Milena 02/11/2022
?O que importa não é o que você faz, é quem você é.?
Essa não é uma história comum. Aron tinha apenas 27 anos quando, durante uma aventura no Blue John Canyon, uma rocha de quase meia tonelada se soltou e prendeu seu braço direito pelo punho entre as paredes de uma fenda do Cânion. Imobilizado, sozinho e consciente de que ninguém sabia onde estava, Aron suportou difíceis 127 horas, nas quais precisou lidar com a sede, fome, frio e a morte.
Com profundidade, honestidade e senso de humor, Aron transporta o leitor para a estreita fenda onde esteve preso durante 5 dias, enquanto, concomitantemente, narra suas aventuras e os passos que o levaram até aquela trágica situação. Desse modo, o livro alterna os capítulos entre o momento em que Aron está preso e histórias de sua infância, juventude e vida adulta, como sua primeira escalada, seus maiores desafios e conquistas, além de dedicar capítulos sobre a busca perpetrada por seus amigos e familiares ao descobrirem que ele estava desaparecido.
Apesar de o livro estar recheado das mais diversas aventuras - que incluem uma perseguição de urso, avalanche, afogamento e deslizes durante escaladas -, o ponto alto é, sem dúvidas, os capítulos direcionados ao acidente no Cânion. O modo como Aron descreve sua experiência é completamente imersiva (ainda que sejam usados muitos termos técnicos), ao passo que ele revela ao leitor suas angústias e planos de escape, bem como transcreve as mensagens que gravou em sua câmera de vídeo, no intuito de deixar para a família um último adeus.
Uma das minhas partes favoritas da obra, no entanto, diz respeito à atitude do Aron frente às próprias ações. Ele não busca culpados ? não além dele mesmo, ao menos ? para os erros que comete. Aron é imprudente em diversos momentos, não apenas no Cânion, onde violou a primeira regra do esporte de aventura (deixar um plano de viagem detalhado com uma pessoa responsável) e admite suas falhas, por vezes até com muita dureza. A relação de honestidade que ele possui consigo demonstra muito o tipo de pessoa que ele é e a forma como ele lida com as situações.
?(...) Esta pedra fez o que tinha de fazer. As pedras caem. Essa é a natureza delas. Ela só fez uma coisa natural que podia fazer. Ela estava pronta, mas esperava por você. Sem você aparecer para empurrá-la, ela ainda estaria encravada onde esteve por sabe-se lá quanto tempo. Você fez isto, Aron. Você criou isto. Você escolheu vir aqui hoje; você escolheu fazer essa descida pela fenda do cânion sozinho. Você escolheu não dizer a ninguém aonde ia. Você escolheu se afastar das mulheres que estavam aqui para impedir que se metesse neste problema. Você criou este acidente. Você queria ficar assim. Você vem se encaminhando para esta situação faz muito tempo. Veja como foi longe para chegar a este ponto. Não se trata de receber o que merece ? você está recebendo o que queria.? (p. 137)
Há muito o que se falar sobre essa história, mas pouco espaço para expressar a totalidade da impressão que ela me causa. Destaco, porém, a força e a frieza de Aron em amputar o próprio braço com uma lâmina praticamente cega, enquanto analisava cuidadosamente as artérias a serem evitadas e o nervo que lhe causaria a maior dor. Ler a cena foi desconfortável o bastante e não posso sequer imaginar o quão difícil deve ter sido realizar a amputação. Depois de perder cerca de 1,5 litros de sangue, uma longa caminhada de 11 quilômetros ainda o aguardava no deserto quente de Utah.
Não posso evitar mencionar também a estranheza das visões (especialmente a criança) e coincidências (se é que posso chamar assim) que cercam a experiência de Aron, bem como o corvo, algo que ainda está na minha mente mesmo após dias desde que finalizei a leitura. A simbologia do corvo ? que em muitas culturas representa a morte ? voar sobre a cabeça de Aron todos os dias no mesmo horário e não aparecer justamente no último dia, quando ele decide se libertar da pedra, é significativo por si só, mas ele estar morto na poça d?água encontrada por Aron, que o ajudou a sobreviver à longa caminhada que se seguiria, é surreal.
Pessoalmente, a história de Aron causou uma grande impressão em mim desde o meu primeiro contato, ao assistir ao filme de Danny Boyle quando eu tinha por volta de 12 ou 13 anos de idade e que se tornou um dos meus filmes favoritos. Agora, 10 anos depois, a história continua a me impressionar. Considero difícil ler algo assim e não se sentir minimamente inspirado pela coragem e pela força de Aron Ralston, que contra todas as probabilidades, perseverou e sobreviveu.