Estêvão 19/11/2020Confesso que acho um pouco cansativo isso de Kundera fazer da narrativa exemplo das ideias que apresenta; por outro lado, muitas vezes é fascinante, como nos contos de Risíveis amores, em A Insustentável leveza do ser e em A brincadeira. Novela com cara de ensaio filosófico, A lentidão explora os limites entre esse gêneros.
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Nessa obra, a coisa não funciona muito bem, talvez pelo excesso de histórias paralelas que se cruzam, talvez pela quantidade de discussão que levanta: como passamos de épocas em que nosso ritmo de vida era mais cadenciado para hoje, em que a velocidade é quase reverenciada, e as consequências disso no comportamento humano, nas relações amorosas, no trato com o sexo...
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O tema inicialmente é trabalhado de forma interessante, mas se perde ao querer inserir mais elementos nessa equação, como erotismo, amor, paixão, sexo, gozo... Essa confusão não se dá pelos assuntos em si, que até mantêm uma estreita relação, mas pela forma como são inseridos, não havendo uma condução sutil de uma discussão a outra.
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A forma com são iniciadas é meio abrupta, já nos primeiro parágrafos: após ser ultrapassado por um carro em alta velocidade, o narrador começa a refletir sobre lentidão e velocidade.
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Em seguida, o narrador passa a escrever um conto sobre esse tema, sobrepondo histórias paralelas, em épocas distintas, que evidenciam o modo como a lentidão e a velocidade são incorporadas de formas diferentes no espírito desses séculos; este texto é o que estamos lendo, incluindo uma metalinguagem numa trama que já estava inchada.
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Já havia lido algumas vezes sobre como os personagens de Kundera muitas vezes soam pedantes e elitistas, e pela primeira vez senti isso. Há um quê boçalidade neles, um olhar pra vida de cima pra baixo, sempre com uma teoria ou dualidades que reduzem o comportamento humano a definições esquemáticas. Em A lentidão, há um núcleo predominantemente masculino que resume bem isso.
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No mais, mesmo com discussões interessantes, no todo, a coisa é meio confusa, talvez propositalmente rápida demais, faltando à obra aquilo que é um de seus temas: lentidão, tempo para melhor se desenvolver.
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