(n)Ana 11/10/2014Já fazia um bom tempo que este livro mofava aqui em casa. Antes de mandá-lo pra um sebo, resolvi ler o começo pra ter certeza de que não era a minha praia. O primeiro parágrafo:
Há um tom de verde, que encontramos às vezes nos céus de certos quadros - um verde aguado, duma pureza de cristal, transparente e frio como um lago nórdico - um verde tão remoto, sereno e perfeito, que parece nada ter de comum com as coisas terrenas. Paramos, contemplamos a tela, atribuímos a cor impossível à fantasia do artista e passamos adiante.
Entretanto, havia na realidade um verde exatamente assim no horizonte daquele anoitecer de Sexta Feira da Paixão.
Se esse trecho não te convenceu a ler O Resto é Silêncio, eu lamento.
Os Miseráveis e Cem anos de Solidão, os melhores livros que já li na vida, são nota 1000; O Resto é Silêncio é 990(e quase todos os outros livros do mundo ainda estão entre zero e dez). Li cinco livros do Érico Veríssimo, esse por primeiro, e o considero seu melhor - acima de O Continente e Olhai os Lírios do Campo.
Esse é um livro estupendo. Daqueles que não importa se você só ler as trinta primeiras páginas ou chegar ao fim: todo grão de poeira que se desprende dessas páginas já incendeia loucamente o mundo de quem lê. Cada sílaba, cada vírgula fala de tudo e de nada, da pequenez e da grandiosidade dos seres humanos. Dentre as muitas coisas que esse livro me mostrou, a mais importante é o quanto a vida de uma pessoa faz sentido para ela e para mais ninguém. Não há jeito certo e errado - as verdades individuais são tão inebriantes, as experiências são de tal forma marcantes que cada ser é um universo. O que está em questão não é nenhuma ideia relativista, e sim a identidade. O mais ferrenho cristão e o mais convicto ateu (digamos) - vamos escutar-lhes cada pensamento, seguir seus passos, ver por seus olhos o mesmo mundo em que todo mundo pisa. E o que a gente descobre vocês terão que ler pra saber.
Sinto que não poderia dizer que gosto muito dessa estória. Porque não é uma estória. É vida. Não posso dizer: esse e aquele são meus personagens favoritos, assim como não vou pensar em dizer que meu avô, meus amigos e o dono da padaria são meus personagens favoritos.
Não é um livro triste ou alegre, envolvente ou cansativo, engraçado ou sombrio, genial ou óbvio. Calça como uma luva, a ponto da gente esquecer que está lendo. A ponto da gente achar que É Tônio, Marcelo, Nora, Aristides, Gil, Marina, Norival, Rita, Lívia...
Um dia, muito tempo depois de ler O Resto é Silêncio, eu vi um verde exatamente assim na horizonte de um anoitecer.