spoiler visualizarNathalia 12/04/2022
uma pessoa de 1.65m não fica com os pés balançando quando senta na cadeira, mas tirando isso show de bolas.
É sério, chega a ser até estranho o tanto que criminologia e parentalidade são duas coisas que andam tão juntas. Mas daqui a pouco eu volto a falar disso, tô me adiantando.
Eu tava lendo um monte de comédia romântica então esse aqui foi uma mudança de passo e eu tô bem feliz. Sou uma fã de podcasts de true crime, mas nunca tinha lido algo assim, porque eu não tava lendo nada nesses últimos tempos. O conceito de non-fiction novel fica claro rapidinho porque basicamente, pensa em um filme baseado em fatos reais, só que um livro. No sentido de que é romantizado, o Capote faz cenas muito cinematográficas em que ele infere como as pessoas se sentiam em determinados momentos (o que ele pode ter descoberto por entrevistas, mas pode ter inventado também, não é mesmo?). Meu cérebro de historiadora ficou boa parte do livro com o pé atrás pensando “cadê a documentação pra embasar isso aqui Seu Truman, como é que cê pode afirmar isso sem mostrar as provas, como é que cê vai comprovar sua credibilidade?”, mas depois de umas 60, 70 páginas, me acostumei, aceitei, falei assim beleza, vamo que vamo Capote.
Acho que, e talvez isso vá soar um tanto entediante, mas a parte que eu mais gostei em todo o livro, é o tom crônico que ele tem (tipo de crônica mesmo, não crônico no sentido de doença crônica). Eu curti muito mais os momentos em que tecnicamente não tava acontecendo nada do que os momentos de ação. Tipo no começo, toda a descrião da vida cotidiana dos Clutters e depois de maneira especial os trechos da Sue, do Bobby Rupp, do Dewey e de toda a construção/descrição da personalidade do Perry - e cara, a parte da Barbara, irmã dele é FODA. Na verdade, o trabalho que o Truman Capote faz com o Perry é quase inacreditável, lá no fim, o trecho onde tem o diagnóstico psicológico dele (que não foi lido no final, porque apesar de tudo estamos falando do sul dos Estados Unidos nos anos 60) é tão de acordo com tudo o que a gente já sabia pelo o que o Truman mostra pra gente (o que faz muito sentido porque afinal ele ficou 5 anos pra escrever o livro então tem que sair bonito mesmo, né?).
As partes mais práticas do livro, eu achei, um tanto, méh. Não é que eu achei chato ou sem graça, mas é… que as cenas “cotidianas” são muito mais interessantes. No fim, todo o trecho deles já preso e no corredor da morte foi tããão arrastado pra mim. Ainda assim bem escrito e eu até achei interessante a parte do Lowell Lee Andrews, por mais que também tenha achado que ela matou o momentum.
Agora falando do Perry de novo. Antes de ler o livro, eu tava esperando que fosse ser algo meio Ace in the Hole, quando no fim acho que talvez, potencialmente, quiçá o mais próximo de Ace in the Hole que chegou foi o Truman Capote enchendo o saco de todo mundo na cidade que nem o Kirk Douglas no filme. Tirando isso nada mesmo. O livro foi bem mais a frente de seu tempo do que eu esperava, no sentido de não ter a visão que eu esperava frente a criminalidade de um livro de 1960. Não lembro onde eu vi, vou assumir que foi ou a Bel Rodrigues ou no Modus Operandi sobre como a “vilanização” de criminosos é perigosa por distanciar a imagem de criminosos, como assassinos, de pessoas reais que podem estar ai na sociedade. E o livro 100% trabalha nesse sentido, ele de fato faz você se simpatizar pelo Perry, o livro faz uma referência a isso diretamente falando que por mais que o Dewey deseja que ele pague seus crimes ele sente compaixão por ele de alguma forma.
E no fim a gente, na parte do “diagnóstico psicológico” do Perry, a gente ver quanto os traumas de infância podem te destruir. O caso da família dele é exemplar nesse sentido: dos 4 irmãos, 3 acabaram mortos no fim do livro. Violência familiar, alienação parental, alcoolismo e muito mais que não tem um nome tão específico assim. Não tem como dizer que não. O mais curioso pra mim é que em determinado momento o Perry fala sobre como ele é o filho favorito do pai dele, mas isso não diminui nem um pouco o tanto de abuso que ele sofreu. É claro, que não tô defendendo o que o Perry fez, mas o fato do ratio ser ¼ de sobrevivência aponta que era muito mais provável dar “errado” do que dar “certo”. Por conta disso acho até que o Dick se tornou o grande ponto de interrogação do livro pra mim. Queria entender qual era a dele porque até o momento da revelação de que foi o Perry que, na verdade, matou a família, eu tava achando que ele tinha sido o assassino e não tava gostando do caminho que o livro tava seguindo. Tava parecendo que eles tavam querendo contrapor o assassino “humanizado” (que seria o Perry) e o assassino realmente mau (o Dick), mas olha esse plot twist delicado colocou o mundo em seu lugar de origem. O Dick “só” é pedófilo mesmo, não psicopata ou nada do tipo.
Enfim: incrivelmente escrito, uma baita pesquisa (com muita “encenação” por cima) e cara, especialmente pra mim uma grande crônica dessa pequena cidade e dos envolvidos na tragédia.
P.S.: O livro comenta o tempo inteiro que o Perry é baixinho. Ele tem 1.65m, o que é baixo pra um homem, mas não é tão baixo assim. É a mesma altura do Bruno Mars. É a minha altura. Eu nunca não consegui encostar meus pés no chão em nenhuma cadeira que eu sentei. O Capote tinha 1.60m. Acho que ele tava projetando.
P.S. 2: A conversa que o guardinha e o repórter tem sobre pena de morte. MEUS AMIGOS. Tentando encontrar um modo de "humanizar" muito on point.