spoiler visualizarTati 04/01/2012
Resenha: As Troianas
As troianas é uma peça de Eurípedes, a qual conta sobre as mulheres sobreviventes de Tróia, como ficou a cidade depois da ruína. Essa peça foi apresentada pela primeira vez em 415 a.C. e têm como cenário o acampamento dos gregos em Tróia ao fundo as ruínas fumegantes.
Inicia a peça com o discurso do deus Poseidon, que lamenta a destruição da cidade de Tróia “a cidade se transformou em uma ruína fumegante, acossada pelas lanças argivas” (EURÍPEDES, 1988, p. 105). Dizendo que isso se deve a ajuda de Palas , a qual inspirou os aqueus, em especial Ulisses a construir o cavalo, que no futuro irão chamá-lo de Cavalo das Lanças.
Deste modo, o dramaturgo utiliza a voz do deus para usar uma linguagem requintada e cheia de detalhes em sua descrição de como ficou Tróia depois do saque. “Os bosques sagrados foram abandonados. Os santuários dos deuses estão cobertos de sangue humano. Na escada do altar de Zeus, o protetor, jaz morto Príamo.” (ibid p. 105)
Entretanto os aqueus aproveitam para pegar todo o ouro, as riquezas da cidade e dividir entre os guerreiros, enquanto esperam ventos favoráveis para voltarem as suas cidades, reverem esposa, filhos, os quais não viam há dez anos. Enquanto que as mulheres troianas aguardavam ser sorteadas.
Se alguém quer ver uma infortunada, aqui está Hécuba, prostrada diante da entrada, derramando muitas lágrimas por tamanhas desgraças. Sua filha Polixena foi morta no túmulo de Aquiles, tendo morrido bravamente, a desventurada jovem. Príamo pereceu e pereceram seus filhos todos, menos a virgem Cassandra, a quem Apolo concedeu o dom da profecia. E agora, Agamenon, esquecendo-se da religião e do respeito, a força a ser sua concubina. (ibid p.106)
Na sequência, entra a deusa Atenéia , que pede ajuda ao deus Poseidon para vingarem-se dos gregos que destruíram a cidade e seu templo. Ela que durante a guerra se manteve fiel ao lado dos gregos, agora se revolta por eles terem destruído seu templo acidentalmente, e com isso ela faz um acordo com Poseidon para destruírem os aqueus.
Todas as vezes que eles zarpem de Ílion para regressarem à pátria. Zeus lançará torrentes de chuva e granizo e furacões, que escurecerão o firmamento. Ele disse que me emprestará o fogo de seus raios para perseguirem os aqueus e incendiar suas naves. Por tua vez, deves fazer tua parte. Torna a travessia do Egeu um turbilhão de vagas monstruosas, um sorvedouro de águas. Enche de corpos afogados os ocultos estreitos de Eubéia. Os aqueus devem aprender no futuro o temor devido aos meus templos e o respeito aos outros deuses. (ibid p.107)
Poseidon, por sua vez, aceita o acordo com a deusa e conclui, ao sair de cena que “é louco o mortal que saqueia cidades e viola templos e túmulos, os lugares sagrados dos mortos; a sua própria condenação será apenas adiada.” (ibid p.107)
Hécuba, a rainha troiana, comanda o coro das mulheres troianas que lamentam pela destruição: “Isso não é mais Tróia, nem somos a família real.” (ibid p.108). Assim como acusam Helena, de ser a culpada por toda a ruína da cidade: “Foi ela que assassinou o pai de cinqüenta filhos e me lançou a estes tristes escolhos da desgraça”. (ibid p.108)
Apesar das lamentações da rainha, chega o chefe dos gregos, e chamam as mulheres para saberem para onde serão levadas. Hécuba se desespera ao saber que será escrava, e quer saber onde irá trabalhar aquela pobre velha inútil e se compara a um velho zangão, pobre simulacro de um cadáver, débil e lívido ser. Assim como ela todo o coro das mulheres se lamentam:
(...)
- Pela última vez vejo os túmulos de meus pais, pela derradeira vez.
- Terei sofrimentos ainda maiores, obrigada a deitar-me no leito dos gregos...
- Maldita seja a noite em que isso for o meu destino...
(...)
- Jamais, jamais, imploro, ao sinuoso Eurotas, a maldita morada de Helena, para olhar Menelau como meu senhor, Menelau o saqueador de Tróia. (ibid p.110)
O Arauto anuncia para onde irá cada uma das troianas. Agamenon tinha escolhido Cassandra, filha de Hécuba, como sua concubina. Questiona a rainha: “Sua concubina? A virgem de Febo, a jovem a quem o deus dos cabelos dourados concedeu a virgindade, como um favor peculiar?” (ibid p. 111). Afinal, as outras mulheres de sangue real teriam que cumprir um destino que fora determinado pela sorte: Polixena deveria ser sacrificada diante do túmulo de Aquiles; com ironia diz Taltíbio, o arauto dos gregos, à rainha: “Deus abençoe a tua filha. Ela está descansando.” “Ela está em poder do destino; os seus tormentos terminaram” (ibid p.111).
Entretanto Andrômaca teria que se tornar mulher do filho de Aquiles, e a própria Hécuba deveria se entregar a Odisseu, rei de Ítaca.
Ah! Hécuba, esmurra tua cabeça raspada, arranha as tuas faces com as unhas. Ai de mim! Um canalha abominável, traiçoeiro tornou-se meu senhor, um inimigo da justiça, um bruto sem escrúpulos, cuja dupla língua retorce todas as coisas para cima e para baixo, para baixo e para cima, que transforma a amizade em ódio – ò mulheres de Tróia, espera por mim. Estou condenada, a ruína e a miséria me esperam. A sorte mais desgraçada me coube. (ibid p.112)
Em meio ao choro e aos lamentos das mulheres, entra Cassandra, vestida como sacerdotisa de Apolo, e sacudindo uma tocha nupcial, dançando e cantando em honra ao deus do casamento, Himeneu, eles temem que ela tenha enlouquecido, ao contrário, ela está tendo visões proféticas.
Porém, ela está certa de que é necessário ela ser levada para Argos, para vingar-se da queda de Tróia. Como vingança deixaria Agamenon enfeitiçado por ela, depois causaria a morte e a ruína dele e de toda sua família. “Assim como Loxias existe, Agamenon, o nobre rei dos aqueus, verá que serei uma esposa mais fatal do que mesmo Helena. Pois eu o matarei; arruinarei a sua casa. Vingarei meus irmãos e meu pai...” (ibid, p.113)
Inclusive Cassandra explica o porquê de sua irritação:
Mostrarei, contudo, que a nossa cidade é mais afortunada que os aqueus. Possessa como estou, emergerei uma vez do meu desvario. Por causa de uma mulher e da paixão de uma mulher, os gregos saíram em perseguição de Helena, e pereceram aos milhares. Seu general, seu grande general, para ajudar aqueles que mais deveria odiar, sacrificou o que de mais caro possuía: pelo irmão, sacrificou a filha, a própria filha, a alegria do lar; e isso por causa de uma mulher que não fora levada pela força, mas abandonara o lar de boa vontade. (ibid p.114)
Cassandra, com sua irritação nos declara que é por causa do envolvimento entre Helena e Páris que tudo aquilo esta acontecendo, por isso muitos guerreiros morreram, no caso dos guerreiros aqueus jazem em terras estrangeiras, longe dos filhos, da família, ninguém para visitar seus túmulos. Enquanto que os troianos, apesar das circunstâncias, morreram na glória, morreram por sua pátria, como causa justa. Com isso a profetisa declara a sua mãe, que é através do seu matrimônio o meio pelo qual destruirá seus inimigos.
Antes de partir, ela prevê a morte de sua mãe e as aventuras que Odisseu passará durantes dez anos, até que consiga retornar à sua pátria:
Verá temível Caribdis, cuja morada fica no turbilhão daquele estreito rochoso, e aquele canibal nas montanhas dos Ciclopes e a liguri de Circe, que transforma homens em porcos; enfrentará naufrágios no salino mar, assim como as tentações do lótus e as vacas sagradas do Sol, cuja carne terá voz e dirá a Odisseu palavras angustiosas. Para resumir uma longa aventura, ele descerá vivo ao Hades, e, quando afinal escapar das agruras do mar, regressará ao lar, para lá encontrar multidão de percalços. (ibid p.115-116)
Também Agamenon sofrerá vários percalços e morrerá. Enquanto que Cassandra morrerá como vencedora, tendo destruído a casa de Atreu, por quem Tróia foi destruída. Essas foram suas previsões antes de partir.
Em seguida sua mãe, Hécuba, cai ao chão lastimando-se pelo que era, como vivia no palácio, temendo de como será quando for escrava. E é com lamentações que ela nos relata que o devaneio de Helena provocou tanta desgraça para sua família, sua pátria:
Vi aqueles filhos morrerem em combate com os gregos e cortei meus cabelos sobre os seus túmulos. E a morte de Príamo, o pai deles, não me foi anunciada por outros; com os meus próprios olhos eu o vi ser assassinado, em seu lar, junto ao altar de Zeus, o protetor. Vi a minha cidade conquistada. Minhas filhas virgens, que criei para desposarem homens da mais alta linhagem, foram arrebatadas de meus braços; outro tipo de noivado foi o fruto de meus cuidados. Nenhuma esperança acalento que elas me voltem a ver. E, finalmente, como coroamento de minha terrível desventura, vou para a Grécia, na velhice, para ser escrava. Encarregarme-ão das tarefas mais impróprias para os idosos. Serei uma porteira, cuidando das chaves, eu, a mãe de Heitor! Ou terei de assar o pão, ou repousar no chão duro o cansado dorso que dormiu em leitos palacianos. Este meu pobre corpo castigado se cobrirá de farrapos e andrajos um insulto a minha antiga prosperidade. Desgraçada que sou eu, o que sou no presente, o que serei no futuro, e tudo por causa do casamento de uma mulher. (ibid p.117)
Assim também lamentam o coro das mulheres, dizendo que tudo está acontecendo por culpa dos aqueus que foram em busca de Helena, deixando na porta da cidade o cavalo, como presente dos gregos à deusa Atena, o qual ocasionou a ruína da cidade, enquanto os troianos, inocentes, acharam que a cidade estava livre das guerras, comemoravam.
Entra em cena, uma carroça carregando as armaduras de Heitor. Dentro dela, Andrômaca, viúva de Heitor, e seu filho Astianax como prisioneiros. Ela queixa-se à mãe de Heitor, sobre como será seu futuro, culpando Páris por toda desgraça ocorrida na cidade e em sua vida, assim Eurípedes enfatiza através do diálogo entre Andrômaca e Hécuba:
... destruída pela má vontade dos deuses, desde daquela hora em que teu filho infante escapou da morte, o filho que, que, por causa de uma mulher despudorada, destruiu as torres de Tróia. Diante do templo de Palas estão expostos os corpos sangrentos de nossos mortos, para que os abutres os devorem. Chegou o fim e jugo da escravidão para Tróia. (ibid p.119)
Além disso, Andrômaca dá a notícia de que Polixena já havia sido sacrificada diante do túmulo de Aquiles, como oferenda ao inerme morto. Apesar de todos os sofrimentos, Hécuba, ainda tem forças para acalmar a viúva de Heitor e aconselhá-la a viver bem com seu novo esposo. Desta forma, ela poderia conseguir que seu filho, Astianax, alcançasse a idade adulta e se tornasse o redentor de Tróia. Porém, nesse instante, Taltíbio anuncia que não seria permitido que o filho de Heitor permanecesse vivo. Logo, a criança deveria ser atirada do alto das muralhas da cidade. “Terás de dar um salto doloroso; impiedosamente atirado das alturas de cabeça para baixo o corpo despedaçado libertará o fantasma.” (ibid p. 124)
Ao passo que Andrômaca e seu filho são levados pelo Taltíbio, ela segue para o navio maldizendo a origem de Helena, tratando-a como filha de muitos pais, o espírito do mal, o ódio, o homicídio e a morte. Enquanto que seu filho é levado a mais alta muralha para ser lançado à morte. Assim, o coro também passa a amaldiçoar a vinda de Helena, responsabilizando-a pelas conseqüências.
Posteriormente, surge Menelau com seus soldados, ordenando-os para que tragam Helena arrastada pelos cabelos. Hécuba aproveita a oportunidade, para implorar à Menelau que mate a traidora imediatamente, pois ela teme que ele volte a se encantar por Helena.
Confio em ti, Menelau, pela tua intenção de matar tua esposa. Foge, porém, de sua vista, pois, de outro modo, ela te cativará com o desejo. Ela cativa os olhos dos homens, destrói cidades, incendeia os lares. Tais são as suas feitiçarias. Eu a conheço; e tu também, e todas as suas vítimas. (ibid p.126-127)
Entretanto, Menelau, decide levar a culpada de volta para Grécia com vida, para que assim os parentes possam apedrejá-la até a morte. Ao chegar diante dele, Helena se mantém calma, e pede o direito se defender das acusações injustas, que fazem a respeito dela. Hécuba interfere, e diz à Menelau que a deixe falar, mas permita que a rainha encarregue de acusá-la, já que sua esposa foi a causadora de muitos males em Tróia, o que justificará sua morte e não lhe dará oportunidade de escapar.
Diante de Menelau, Helena tenta inocentar-se, transferindo sua culpa aos outros, apontando como principais culpados Hécuba e Príamo, que haviam se recusado a matar Paris, quando criança um oráculo previu a destruição da cidade. A segunda culpada é Afrodite, que a enfeitiçou e a forçou um relacionamento com Paris. Finalmente, têm culpa os guardas troianos que a impediram de fugir quando Páris morreu.
Todavia, Hécuba assegura que Helena tinha se entregado a Páris por puro desejo carnal. Também afirma que Helena poderia ter fugido de Tróia a qualquer momento pela via mais radical: o suicídio, ou poderia aceitar o conselho e a ajuda de Hécuba: “Vai-te embora, minha filha. Meus filhos encontrarão outras noivas, e eu a farei ser levada secretamente aos navios aqueus. Põe fim a está luta entre nós e os gregos.” (ibid p.130)
Consequentemente, com o discurso de Hécuba, Helena, cai de joelhos diante de Menelau, implorando pela sua vida. Assim também Hécuba ajoelha-se ao lado, implorando que a matem naquele instante.
Contudo a velha, alerta Menelau do perigo que poderá sofrer se levar Helena em seu navio. Menelau concorda com Hécuba, e ordena que ela seja levada de volta à Grécia em outro barco.
Taltíbio volta com o cadáver ensanguentado de Astianax, para que Hécuba faça o sepultamento, já que Andrômaca havia partido. Enquanto as prisioneiras de Tróia vão sendo levadas para os navios gregos, a cidade vai à baixo, envolvidos por uma nuvem de fumaça e escuridão.