Leonardo1245 06/03/2024
Carrie, a injustiçada
"Carrie" foi o primeiro livro publicado pelo King. E, mesmo sendo o primeiro, o estilo próprio do autor já tava bem consolidado aqui. Aquelas técnicas que o King usa nos seus livros - misturar narração de eventos com fluxo de consciência, dar pequenos spoilers ao leitor etc - já faziam parte dele desde o começo.
A história, eu acredito que não é novidade pra ninguém: começa quando Carrie, uma adolescente socialmente desajustada, que cresceu atormentada por uma mãe fervorosamente religiosa e por todo tipo de bullying imaginável, tem a sua primeira menstruação no chuveiro do vestiário feminino da escola. A coitada, que não sabia o que era menstruação, achou que tava morrendo e foi humilhada pelas colegas, que ficaram rindo e arremessando absorventes nela. O que ninguém percebeu foi que, com a puberdade (tardia), veio a maturação de uma habilidade latente na Carrie: a telecinésia.
Achei muito massa a forma como o King abordou a questão das habilidades mentais da Carrie. A forma como ele apresentou os fatos, mesclando os eventos do plot com trechos de livros científicos sobre telecinésia, deu aos poderes da Carrie um aspecto muito mais técnico do que sobrenatural. A telecinésia da Carrie nunca foi a bruxaria que os filmes fizeram parecer, mas sim uma condição genética, que já corria na família há muitas gerações. O fato de ter sido a mãe da Carrie, que odiava o dom da filha, quem transmitiu a ela o gene da telecinésia foi um toque de ironia sutil dos mais deliciosos.
A mãe da Carrie em si, aos meus olhos, foi um bode expiatório que o King criou pra xingar os crentes. De fato, o livro é uma ofensa descarada ao fanatismo religioso. Consigo imaginar um autor jovem, indignado com essa gurizada que acredita que a Bíblia é o manual de vida de todos, que decidiu escrever um livro pra tirar do peito tudo o que ele pensava dessa gente. Imagino que, se eu tivesse lido esse livro quando eu ainda era um adolescente entendendo o meu ateísmo, eu teria amado demais. Hoje, com um pouco mais de maturidade literária e uma atitude menos reativa ao fanatismo dos outros, eu achei algumas críticas do livro gratuitas demais.
O livro vale muito a pena. Os filmes foram muito criativos nas cenas do baile, mas só. O livro, mesmo tendo só 200 páginas, apresenta muito mais sobre o passado da Carrie, da família White e das características e consequências fisiológicas desse dom. E repito: Carrie foi injustiçada. Qualquer um que passou pelo que ela passou teria coringado também.