Rodrigo 16/01/2010
O usurário: entre o céu e o inferno, o purgatório
Neste livro, Jacques Le Goff mostra ao leitor como foi a usura na Idade Média, como era vista pela população e, principalmente, pelo clero, que era “quem” decidia quem iria para o céu ou para o inferno.
Le Goff acerta muito bem na colocação do título deste livro, pois, de certa forma, resume a idéia principal do livro, a Bolsa simbolizando o dinheiro ilícito, o dinheiro adquirido na usura, e a Vida simbolizando a redenção, a salvação, a vida eterna.
Mas ia vendo
uma bolsa a seus peitos bem segura,
cores mostrando e insígnias juntamente,
cuja vista, parece, os transfigura. [não grifado no original]
(Dante citado por Le Goff, p. 35)
A usura foi considerada pecado na Idade Média, devido principalmente a dois fatores: era considerado roubo, de acordo com a Bíblia, que era um dos guias da população na época, e outro fator, mais importante, é o fato de o usurário ser considerado um “ladrão de tempo”, esse tempo seria o tempo entre o dia do empréstimo e o do pagamento, quando o usurário acrescentaria juros ao que emprestou, e nesse tempo que se passou, o usurário ganharia dinheiro sem nada fazer. Sendo o tempo algo divino, “grátis”, estaria o usurário roubando de Deus e vendendo este tempo a seus “clientes”.
Estes dois fatores estão sustentados sobre o juro, ou melhor, sobre o juro em excesso, já que os juros eram permitidos, porém, o excesso de juros caracterizava a usura. Nas palavras do próprio Le Goff, a “usura e juro são duas coisas diferentes, e a igreja nunca condenou todas as formas de juro” (p. 70).
Sendo o usurário um pecador, o único lugar para onde vai depois de morrer é o inferno. Mas havia uma maneira de “escapar” do inferno, que seria se confessando, arrependendo-se, e devolvendo tudo que “usurou”. Posteriormente, com a “criação” do purgatório, havia a possibilidade de outra pessoa se redimir no lugar do usurário, devolvendo tudo. Poderia ser por vontade própria ou o usurário poderia deixar alguém encarregado de devolver os bens.
Com o passar dos tempos, a situação do usurário com relação a céu x inferno veio abrandando. O usurário tinha mais chances de ir para o céu, indo para o purgatório, onde se “limparia” de seus pecados, caso se arrependesse, antes de morrer. Dificilmente o usurário iria para o inferno, segundo a igreja católica.
É importante ressaltar que o autor fala da usura como um impulso inicial do capitalismo, e de como um obstáculo ideológico (a concepção de usura como pecado) pode “atrasar” toda uma sociedade, pois só com o passar do tempo, com a Igreja começando a tolerar o usurário, é que o capitalismo começa a se desenvolver mais rapidamente.
O trunfo de Jacques Le Goff é o de tratar da usura na Idade Média de uma forma simples e direta. Le Goff utiliza principalmente dois tipos de documentos neste livro, os exempla e as summas, os manuais dos confessores. Os exempla constituíam de narrativas a que os pregadores recorriam em seus sermões, contando histórias fictícias, para advertir aos ouvintes, e nas summas, os confessores listavam pecados que lhes eram confessados, e relacionavam a penitência relativa a cada pecado. A maciça utilização dos exempla torna a leitura ainda mais agradável do que já o é. Qualquer pessoa que tenha interesse pela Idade Média conseguirá ler o livro e entender a idéia principal sem maiores dificuldades, pois não é necessário ser um acadêmico ou um profissional da área de História para entendê-lo.