Oz 23/06/2017
Fragmentos de Surrealismo
Primeiramente, vale ressaltar que esse livro é composto de fragmentos de um romance. De um total de 270 páginas, as 240 primeiras constituem um romance estruturalmente conexo e linear, seguido de mais 30 páginas com três fragmentos não conexos (e, ao menos um deles, claramente inacabado) de situações que acontecem em um futuro próximo do ponto onde termina a história bem estruturada.
Tendo isso em mente, O Desaparecido é uma história tipicamente kafkaniana. O protagonista é Karl, um estudante europeu que é obrigado pelos pais a se mudar para os EUA, após se envolver com sua empregada e ter um filho. No primeiro capítulo, temos Karl chegando de navio ao porto de Nova York. Já de cara, temos um ambiente totalmente kafkaniano, cheio de absurdos e injustiças: Karl, já praticamente saindo do navio, lembra que esqueceu seu guarda-chuva na cabine. Ele deixa sua mala no convés com praticamente um desconhecido e vai atrás do guarda-chuva. Karl, ao se perder no navio, acaba entrando na cabine do sofrido e injustiçado foguista e, tomando suas dores, segue com ele até a cabine do capitão no intuito de reclamarem um pagamento justo para o foguista e reclamar dos maus tratos sofridos pelo trabalhador do navio. E é no gabinete do capitão que, a partir de um acontecimento extremamente inusitado, Karl recebe uma oportunidade de ouro para se estabelecer em Nova York, com todo o conforto possível.
Essa sequência de acontecimentos inusitados é apenas o início de uma história marcada pelo surrealismo dos eventos de Kafka. Como não poderia deixar de ser, assim como em outros romances do autor, o protagonista vai sofrendo uma série de injustiças abusivas e inexplicáveis, ficando muitas vezes sem possibilidade de reação e defesa, apesar do início de sua vida na Amerika ter sido marcada por uma sorte tremenda. Ao mesmo tempo que o leitor sente uma certa raiva de Karl pela sua inocência e passividade exagerada em algumas situações, sente também que ele é apenas uma vítima de uma opressão e um infortúnio esmagador, no qual qualquer luta é, no final das contas, realmente inútil. Estaria Karl fadado a um destino irreversivelmente miserável?
Fica a recomendação de leitura, obrigatória para quem gosta de Kafka. Ela só não é melhor por conta do romance não ter uma estrutura coesa do início ao fim, utilizando alguns fragmentos da história deixados pelas anotações de Kafka.
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