Nicolas Rodeghiero 25/04/2024
Bem-vindos ao Clube dos Otários
Sem palavras. É assim que fiquei ao terminar a tão aclamada obra prima do mestre Stephen King, e assim que fiquei ao pensar sobre qual seria a forma correta de dar início à essa resenha. Antes dessa experiência, nunca imaginei que algum dia um livro iria desbancar "Escuridão Total Sem Estrelas" do primeiro lugar no meu pódio de favoritismo, devido ao fato dele ter sido o responsável por me ajudar a desenvolver o meu atual hábito de leitura, dentre outros fatores que não vem ao caso agora. Mas "It: A Coisa" conseguiu de uma forma tão natural, que me deixou impressionado e principalmente, grato.
A obra é geralmente reconhecida pelo medo que ela causa antecipadamente nos leitores, seja pelo seu número assustador de páginas, ou por sua temática de horror. Mas, no fim das contas, isso é o de menos quando se trata dela. Na questão do tamanho, ela flui tão bem que quase não percebemos os capítulos passando, e as divisões dentro deles são curtas, tornando assim tudo leve e divertido. Eu mesmo estava preparado para demorar bem mais, e quando percebi, já estava no epílogo. E em relação ao terror, acaba sendo tão superficial comparado à quantidade de outros temas importantes que são abordados durante a leitura, que chega a ser até um pouco irrelevante, mas de um jeito positivo.
Ainda nesse tópico, na minha opinião, a história se trata bem mais sobre amizade e coragem do que sobre o horror em si, e isso é o que torna tudo tão lindo. Por diversas vezes, me diverti apenas lendo sobre as crianças brincando e planejando coisas no Barrens, fazendo piadas idiotas e implicando umas com as outras. Cenas assim, tão simples, conseguiram me trazer sentimentos tão bons, uma nostalgia de uma época que infelizmente passou, e com todo o estresse e preocupações que enfrentamos na vida adulta, nem percebemos o quanto sentimos falta dessas coisas leves.
Sobre as crianças, é impossível não se encantar por cada uma delas. Cada uma com sua personalidade, suas particularidades e seus traumas, que fazem o leitor se apegar mais a elas a cada página virada. Considerando a minha infância, eu com certeza teria feito parte do Clube dos Otários, e sem sombra de dúvidas teria me divertido muito com eles. Por fim, acabei criando um carinho por todos os sete integrantes, mas com um destaque especial ao Richie Tozier, ou Boca de Lixo para os íntimos (bip-bip, Richie), que conquistou seu posto de favorito no meu coração com seu jeito irritante, suas vozes e suas piadas que conseguem ser ao mesmo tempo inconvenientes e engraçadas. Também preciso deixar minha menção honrosa ao Mike Hanlon, personagem ao qual desenvolvi empatia e um respeito gigantesco durante a leitura, devido à sua história de vida e sua dedicação. Afinal, sem ele nada que ocorreu na "segunda parte" da trama seria possível.
Mas é claro, seria injusto também não citar, mesmo que brevemente, o quanto o nosso querido Bill "Gago" Denbrough foi o pilar do grupo. A forma que ele sempre soube lidar com tudo, é no mínimo admirável. Por várias vezes me identifiquei com esses dilemas enfrentados por ele em seu interior quando olho pro meu grupo de amigos, já que desde sempre fui eu quem assumiu as responsabilidades e deu o primeiro passo para resolver qualquer problema que enfrentamos durante nossa amizade; Beverly Mash, que apesar de todo o abuso que sofreu em casa, sempre foi uma garota tão forte e decidida; Ben Hanscom, que mesmo com todo o bullying e solidão que enfrentou, nunca deixou de ser doce e gentil, além de absurdamente inteligente; Eddie Kaspbrak com sua bombinha de asma, que a princípio não nos apegamos tanto, mas quando menos percebemos já nos estamos tão preocupados com ele quanto com os outros; E finalmente, Stan Uris, com seu jeito quieto e sempre sabendo fazer os comentários certos, na hora certa, principalmente se o assunto envolver pássaros.
Por diversas vezes durante o livro, nos é mostrado o que no fundo todos nós já sabemos: os seres humanos são os verdadeiros monstros. Quantas vezes os reais momentos de aflição não foram causados pelo problemático Henry Bowers com seu racismo e comportamento violento? Ou por seus "amigos" facilmente influenciáveis, Victor Criss e Arroto Huggins? Ou pior ainda, pelo machista, agressivo e doentio Tom Rogan? Definitivamente, durante a maior parte do tempo, o Pennywise foi a menor preocupação dos Otários. E já aproveitando a deixa, é necessário elogiar a genialidade do King ao escrever vilões. Ele certamente tem um talento para criar personagens malucos e nos deixar tensos e alertas sempre que ele quer. Quanto ao Pennywise, recusa apresentações. Um vilão que já é reconhecido mundialmente na ficção, mesmo por aqueles que nunca consumiram a obra literária nem assistiram os filmes, sendo marcante e interessante na mesma proporção.
Uma coisa que me chamou bastante a atenção, sendo um diferencial sobre as outras obras do mestre que eu já tive a oportunidade de ler, foi que em "It: A Coisa" nós temos algo novo acontecendo a todo instante. Diferente de "Salem" ou "O Iluminado", por exemplo, onde a trama vai se desenvolvendo de forma lenta propositalmente. Aqui não, todo capítulo tem seu foco e objetivo, por menor que seja, nos deixando ainda mais ansiosos pela conclusão de cada um deles. Também identifiquei algumas referências a outros livros do autor, e a sensação de ser pego de surpresa por alguma delas é inexplicável, o tipo de recompensa que só quem admira um certo universo consegue entender.
Eu acredito que esse seja um livro que todo leitor deva dar uma chance ao menos uma vez na vida. Principalmente se gosta de séries como "Stranger Things" ou já leu algo como "O Homem de Giz" e gostou. Aqui tudo é mais aprofundado ainda. Nos é entregue um mix de gêneros tão completo que chega a ser difícil de pensar em um público que não vá gostar da experiência. Além disso, a pitada de horror cósmico que recebemos atráves da Coisa e da Tartaruga também é sensacional, por mais que eu já tenha visto previamente críticas negativas sobre isso, eu achei incrível e acredito que tenha somado muito no placar final.
Enfim, sem mais enrolação, "It: A Coisa" é um livro que eu sempre tive vontade de ler, mesmo bem antes de desenvolver o meu hábito de leitura. Sempre encarei o número de páginas como um desafio, e finalmente, após concluir "A Dança da Morte" no ano passado, me senti pronto para iniciar mais essa jornada e valeu a pena absorver cada momento dela. É, sem sombra de dúvidas, a melhor obra que eu já tive a oportunidadede consumir em toda a minha vida. Nunca chorei tanto com o fim de algo igual foi com o fim que nos foi entregue nesse calhamaço. Uma história linda, com personagens incríveis e marcantes e um final emocionante, que me fez refletir e com certeza vai me deixar pensando nele por muito tempo. Concluo esse objetivo orgulhoso de mim mesmo por ter atingido mais uma das minhas metas pessoais como leitor e muito realizado por ter descoberto o que provavelmente seja o livro da minha vida. Favoritado, com toda minha certeza e meu amor.
"Você não precisa olhar para trás para ver essas crianças; parte de sua mente vai vê-las para sempre, vai viver com elas para sempre, vai amar com elas para sempre. Elas não são necessariamente a melhor parte de você, mas já foram o depósito de tudo que você poderia se tornar. Crianças, eu amo vocês. Amo muito vocês. Portanto, vá rapidamente, saia dirigindo enquanto a última luz some, vá para longe de Derry, das lembranças... mas não do desejo. Isso fica, a imagem vibrante de tudo que fomos e acreditávamos quando crianças, tudo que brilhava em nossos olhos quando estávamos perdidos e o vento soprava na noite. Vá embora e tente continuar a sorrir. Ouça um pouco de rock-and-roll no rádio e vá em direção a toda vida que existe com toda a coragem que você consegue reunir e toda a crença que tem. Seja verdadeiro, seja corajoso, enfrente. Todo o resto é escuridão."