spoiler visualizarElaManoela 18/04/2018
Mulher: pura, vulgar, louca ou morta... Típica visão do homem branco de classe média.
Nelson Rodrigues nasceu em 1912, em uma família de classe média de Recife. Foi um romancista, jornalista e teatrólogo brasileiro falecido no ano de 1980.
Valsa nº 6, uma peça de dois atos, foi escrita pelo autor em 1951, após o fracasso de crítica de sua última peça, Doroteia, em 1950. Ao presenciar um sentimento de satisfação e felicidade enquanto ouvia a Valsa nº 6 de Chopin, na tentativa de resgatar o sucesso de Vestido de Noiva, 1943, sua primeira peça de teor psicológico, Nelson Rodrigues, às avessas de sua peça psicológica anterior, teve a ideia do presente monólogo, na qual Sônia, uma adolescente de 15 anos morta, tenta reconstruir os acontecimentos de sua chegada àquele estranho local, em que se encontrava sozinha e sem lembranças, apenas com nomes e a mesma música na memória.
A personagem principal é uma menina recém assassinada de 15 anos e os personagens que cercam sua história são interpretados por ela mesma, como imitação quase que inconsciente na tentava de trazer recordações.
Sônia se descobre em um local escuro, com apenas o vestido branco e calçados de seu primeiro baile, em frente a um piano branco. Na sua memória apenas um nome, Sônia, do qual não se recorda se é seu ou de outra, e a Valsa nº 6, que toca incessantemente ao longo de toda a peça.
Transitando entre alucinações e realidade, o subconsciente da personagem principal vai trazendo à tona, aos poucos, os últimos acontecimentos de sua vida. Ela começa a se lembrar de situações, de pessoas sem rosto. Em uma das situações ela estava a ver e ouvir coisas que não eram reais e, sua mãe, preocupada, chamou o Dr. Junqueira. Ela tinha medo do referido médico que pagava passagens de ônibus para as menininhas da escola e só atendia mulheres. Ela não queria que ele a tocasse. Tinha vergonha dos próprios pés e dos móveis descobertos. O médico disse à mãe que o que ela tinha era grave. Havia saído da infância e se tornado mulher e, por isso, via e ouvia coisas que não existia e sentia vergonha de tudo. Estava a se tornar a primeira louca da família.
Logo lembrou-se também do nome Paulo, mas o mesmo não tinha rosto e estava descalço. Lembrava-se que existia alguma relação entre eles, mas não conseguia descobrir se era sua namorada, noiva, prima, cunhada... Lembrava-se dele hora com ternura, hora com ódio. Queria matá-lo e queria matar Sônia, pois acreditava que Paulo o havia traído com ela. Paulo era casado e ela nunca se relacionaria com um homem casado. Mas Sônia, sim. Sem se dar conta à princípio, as recordações que a personagem Sônia tinha de si mesma, transitavam entre a inocência e a vulgaridade.
Em seu encerramento, com um grito final, a personagem percebe que é Sônia, que foi morta pelas costas, a golpes de seu próprio punhal, pelo Dr. Junqueira (aqui dá-se margem de interpretação para que ele seja Paulo), um homem velho e casado, que era obcecado pela Valsa nº 6.
A peça tem um ar tragicômico, tratando com sátira os temas de pedofilia, misoginia e feminicídio sem o mínimo de crítica, tal qual só poderia ter sido escrito por um homem branco de classe média. Quem dera eu pudesse dizer que escritas deste tipo eram de homens de seu tempo, onde assuntos como esse ainda não eram problematizados. Mesmo com o avanço feminino na literatura, infelizmente, por enquanto, essa escrita continua sendo atemporal.