spoiler visualizarAnya 15/05/2014
Como um romance
É mais um artigo que escrevi para o jornal do Senai na época que estudava lá do que uma resenha. Não foi publicado no jornal pois acharam intelectual demais para o público alvo que era de 14 a 16 anos.
Pennac, Daniel. Como um romance; tradução de Leny Werneck. Porto Alegre, RS: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2011. 152p.
A leitura ao longo da vida.
Quando éramos crianças nossos pais liam para nós. E mesmo que não contassem histórias, mesmo que se contentassem em ler em voz alta, ainda assim, seriam o contador único por quem, no final de cada dia, escorregávamos dentro dos pijamas do sonho antes de nos dissolvermos nos lençóis da noite, eram o livro. Nossos pais nos ensinaram tudo do livro, quando ainda nem sabíamos ler. Abriram nosso apetite de leitor, a tal ponto que tínhamos pressa em aprender a ler. Entre a nossa geração de leitores e a geração de nossos pais, as décadas têm a profundidade de séculos. E quanto mais perto pensam estar de nós, na verdade mais perto estão de seus próprios pais.
E então chega à hora de irmos para a escola, no começo sentimos um entusiasmo verdadeiro. E nossos mentores se deixam cegar por esse entusiasmo, acreditam que basta o prazer das palavras para dominar os livros. Afinal o ritual da leitura começava no pior momento, quando eles estavam cansados do seu longo dia de tarefas e trabalhos e nós chegando da escola. Então com o tempo esse ritual de leitura a noite começa a se perder. E finalmente decidem que já estamos grandes e podemos ler sozinhos e o ritual acaba.
Ainda estamos empolgados com a leitura, tudo é novo, agora podemos ler sozinhos. Devoramos livros inteiros. E então nossos mentores parecem mudar de lado e começam a parar de nos incentivar a leitura e fazerem o contrário.
– Mas pára de ler, olha só, você vai estragar a vista!
– Sai, vai brincar um pouco, faça alguma outra coisa, está fazendo um tempo tão bonito!
– Apaga a luz! Já é tarde!
É isso, o tempo está sempre bom demais para ler, ou então era à noite, escura demais. À descoberta de um bom livro se juntava a excitação da desobediência familiar. Duplo esplendor!
Começam as cobranças da escola, as leituras obrigatórias e gradualmente nosso apetite de ler começa a diminuir. Ler começa a se tornar uma obrigação e não mais um prazer. A partir do momento em que o livro é dever, tudo contribui para afastar o jovem da tarefa. A espessura intransponível das páginas, a falta de diálogos do texto, de imagens no livro, a letra miúda. O verbo ler não suporta o imperativo. Bem, é sempre possível tentar, é claro. “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!” Resultado? Nulo. Dormimos em cima do livro.
O que afasta uma criança ou um jovem da leitura de um livro, não é só a internet, televisão, os videogames, e tantas outras coisas que ocupam os jovens hoje em dia. O elo entre o leitor e a leitura perde-se, normalmente, quando o livro deixa de ser “vivo” – a narração ao pé da cama, na infância, na hora de dormir, e passa a ser a “ficha de leitura”, obrigatória para o bom cumprimento do programa escolar.
No começo ninguém estava preocupado se havíamos realmente entendido que a Bela dormia no bosque porque tinha sido picada por um fuso, e Branca de Neve porque tinha mordido a maçã. Nas primeiras vezes, aliás, não tínhamos mesmo entendido, de verdade, havia tantos mistérios nessas histórias, tantas palavras bonitas, mas pouco a pouco entendíamos tudo. Já não temos esse prazer de ler apenas por ler, por amor a leitura, lemos preocupados em entender, pensando o que será perguntado a respeito desse livro que a escola mandou-me ler.
É preciso ler! Todos sabem disso e ninguém questiona esse dogma. E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade em ler. Certo professor fez isso, chegou a uma sala de aula, despejou uma sacola cheia de livros em cima da mesa, pegou um livro e começou a ler, os alunos prontamente pecaram seus cadernos e canetas, o professor os olhou, guardem, nada de anotações, apenas escutem. Todos se espantaram e começam os comentários, o que ele está pretendendo, aí vem coisa, mais acabamos perdidos na história e aproveitando o momento. Ao final da aula todos corriam a biblioteca a procura do tal livro, queriam saber como terminava a história não podiam esperar até a próxima aula. O professor tinha um cronograma a cumprir, se preocupava com isso, mais já havia conseguido derrubar uma primeira barreira entre os jovens e os livros. Ele falava de tudo, lia de tudo, porque não supunha que tivéssemos uma biblioteca na cabeça, nos tomava pelo que éramos, jovens que mereciam saber, que se reconciliavam com a leitura. O cronograma escolar nunca foi tão bem aprendido e aproveitado. Esse professor não inculcava o saber, ele oferecia o que sabia. Deste modo, ou depois da escola quando acaba a obrigação, enfim de alguma maneira muitos se reconciliam a leitura.
Os Direitos do Leitor
Todo leitor tem certos direitos. O direito de pular páginas. Certos livros são muito descritivos, qual o problema de pular algumas páginas e ir à parte que nos interessa. O direito de não ler. Certos livros são maravilhosos, mais não fazem o nosso estilo, não nos prende a leitura. O direito de não terminar um livro. Há livros que são ótimos até a metade, já o fim parece estragar toda a história e nosso entusiasmo, então se torna melhor pular o fim e guardar as doces lembranças até ali. O direito de reler. Ah, que história, que livro, poderia relê-lo cem vezes apenas para reviver tantos bons momentos que compartilhamos juntos, eu e o livro. Então porque não reler, afinal em um bom livro encontramos algo novo que não havíamos reparado antes cada vez que o lemos. O direito de ler qualquer coisa. Essa é uma mania do leitor, placas, folhetos, lê-se tudo, impossível passar em frente a um cartaz e não o ler, mesmo que já o tenha lido, antes que se perceba está lendo novamente. O direito de ler apenas pelo prazer da leitura. Acho que já falei bastante desse direito. Ler por ler. Apenas pelo prazer de ler, sem se preocupar em entender, isso acontece naturalmente. O direito de ler em qualquer lugar. Na correria em que todos vivem é difícil parar para ler, lê-se onde há oportunidade, no trem, no ônibus, no ponto a espera do transporte, no consultório a espera de ser atendido. O direito de ler uma frase aqui e outra ali. Alguns livros são melhor para isso que outros porque são compostos de textos curtos e separados. O direito de ler em voz alta. Pode-se ouvir o autor rir, imaginar cada personagem, ouvir o som da própria voz e às vezes entender melhor a história. O direito de calar. Há livros que lemos e corremos contar a alguém o quão maravilhoso foi, principalmente a quem nos indicou se for esse o caso, outros guardamos para nós mesmos, sem comentar nada a ninguém, apenas refletimos sozinhos quais foram os melhores trechos. Comentei aqui apenas alguns exemplos sobre os direitos da leitura, mais você com certeza se lembra de muitos outros significados para cada um desses direitos.
Concluindo cada um tem a sua própria história com a leitura, e seus próprios pontos de vista. Mais é unânime a importância da leitura e o seu prazer.