Euflauzino 06/02/2019A moderna arca de Noé
No livro O ano do dilúvio (Rocco, 472 páginas) não há como identificarmos a época dos acontecimentos, tudo se dá a partir do Ano 25 (o tal "Ano do Dilúvio"), onde a humanidade foi quase toda dizimada, vítima de seus próprios erros e pecados. Há muitas lembranças do passado para contar um pouco da vida das personagens e em como chegaram na condição em que se encontram.
O bem é representado pela seita eco-religiosa Jardineiros de Deus que vivem na clandestinidade combatendo tudo o que é industrializado, vivendo de forma pacífica e frutal. O mal está centrado na CorpSeCorps, uma corporação que faz a segurança privada de outras corporações. Cabe a ela o "trabalho sujo", enquanto a imagem de honestidade e confiabilidade das outras é preservada. Porém, o livro é mais que a luta do bem contra o mal, ele fala do empoderamento feminino.
O livro é centrado em duas personagens femininas - Toby (a durona) e Ren (a sensível). Marca registrada da autora, as personagens enfrentam sofrimentos atrozes que as vão moldando até que prevaleçam suas vontades sobre a dor.
“O funeral da mãe foi curto e melancólico. Ao terminar, o pai e Toby sentaram-se à mesa da mísera cozinha. Beberam uma embalagem inteira de seis cervejas; Toby, duas, e o pai, quatro. Depois, Toby foi para a cama e o pai entrou na garagem vazia, enfiou o cano do rifle na boca e puxou o gatilho.”
Ao se tornar órfã, Toby sofre infortúnios e é seviciada por Blanco (um protegido das corporações), seu chefe no trabalho. A grande virada se dá quando é acolhida pelosos Jardineiros de Deus que a defende. Mesmo sem acreditar no que pregam torna-se uma colaboradora em troca de proteção.
Ren ainda criança é levada a reboque quando sua mãe foge com um dos membros desta mesma seita. De uma hora pra outra sua vida tranquila deixa de existir e ela passa a ser marginalizada já que tem que viver na clandestinidade, pois a seita é vigiada de perto pela CorpSeCorps.
Ser funcionário com cargo elevado dentro de uma corporação pode garantir regalias. Por outro lado, ser um funcionário dispensável pode ser bastante perigoso, pois podem ser usados em experiências que acarretam doenças incuráveis. Já aqueles que não pertencem à nenhuma corporação não têm vida fácil não e podem desaparecer como se não tivessem existido, tendo órgãos retirados e o resto transformado em alimento.
“Os comerciantes da ralé pagavam para que os homens da CorpSeCorps fizessem vista grossa. Em troca, a CorpSeCorps permitia que esses mesmos comerciantes gerissem sequestros e assassinatos, cultivo de skunk, laboratórios de crack e comércio de drogas nas ruas, com barracões de madeira que serviam de depósito. Eles também controlavam as funerárias e a coleta de órgãos para transplantes, e as carcaças dos cadáveres eram aproveitadas nos moedores de carne da SecretBurgers. E circulavam rumores bem piores. Durante os dias de glória da SecretBurgers, muito poucos corpos foram encontrados nos terrenos baldios.”
Vale tudo nesta troca de favores. As grandes corporações traficam espécies ameaçadas de extinção, realizam manipulação genética para criar criaturas perfeitas e imortais, produzem drogas potentes, entre muitas outras coisas acobertadas pela CorpSeCorps que pouco a pouco vai se tornando poderosa a ponto de se tornar o próprio Estado, e pior, um Estado totalitário.
A vida das duas personagens se cruzam e se afastam, para voltar a se unir após o "dilúvio". É quando precisam somar forças para lutar por suas vidas em meio à barbárie que toma conta deste mundo distópico e selvagem. Agir como cordeiros não as salvará, é necessário também atacar. Terão que aprender a conviver em meio à violência do caos.
“(...) dependuravam o adversário morto em árvores, por vezes com o corpo mutilado. Com a cabeça decepada, sem coração, sem rins. Era uma forma de intimidar o time oponente. Às vezes uma parte do corpo era comida, ou porque o alimento tinha acabado ou apenas para deixar evidente um alto grau de maldade. Depois de um tempo o cara não só rompe os limites como se esquece que eles existem (...) E acaba fazendo o inimaginável.”
Futurologia ou ficção especulativa, podem dar o nome que quiser, mas a verdade é que Atwood é nosso oráculo – a essência é tratada como empecilho na busca do ser humano perfeito.
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