jota 21/07/2012Vítimas da pazEsta foi uma releitura, uns dez anos depois que o livro me caiu em mãos pela primeira vez, emprestado da Gibiteca do Canal 5, em Santos (SP), que também tem revistas, jornais, livros, etc. Gostei muito então e me prometi relê-lo um dia...
A contracapa vem cheia de elogios de publicações e autores americanos conceituados e, como trata de adolescência e rituais de passagem para a vida adulta, a revista Encounter, de olho no livro mais célebre sobre o assunto, O Apanhador no Campo de Centeio (1951), perguntava, no lançamento de Uma Ilha de Paz(1959):
"Será ele [John Knowles, o autor] o sucessor de J. D. Salinger que há tanto tempo esperávamos?" Posso dizer que a pergunta tem sim, razão de existir, muito mais pela qualidade literária que os autores imprimiram às suas histórias do que pelas semelhanças dos enredos. Pais e professores aparecem muito pouco no livro de Knowles.
Grande parte da ação transcorre entre os anos de 1942-3, em plena II Guerra Mundial, na escola secundária Devon (na Nova Inglaterra), durante um curso preparatório de verão. Dois adolescentes, Gene (o narrador) e Phineas (ou Finny, seu melhor amigo) criam a Super-Sociedade de Suicídio do Período de Verão. Com um nome desses, ainda que uma brincadeira, já se pode imaginar o que virá pela frente...
Para ser admitido na sociedade é preciso saltar do galho de uma árvore (que aparece na capa do livro, anos depois, já velha e sem folhas) sobre um riacho de águas profundas, margeado por grandes pedras. Nesse salto, se o estudante não for habilidoso, pode cair sobre as pedras, sofrer graves ferimentos, até mesmo morrer... E é assim que começa a tragédia.
Um dos rapazes, muito habilidoso, se torna a primeira vítima. Não fatal é verdade, mas que quase teve uma perna esmagada ao saltar da árvore para o rio. Talvez esse adolescente nunca mais possa correr e praticar esportes (uma das coisas que mais adorava), mas ele mesmo não se vê tanto assim como uma vítima.
Não no começo. Até que um dia, depois de uma reunião tensa com os demais colegas que o convidaram para uma reunião que diziam ser informal, mas que na verdade se transforma numa espécie de processo em que buscam o culpado por sua situação: ele não teria sido empurrado da árvore ou desequilibrado por outro companheiro da sociedade, bem na hora de saltar? E depois da reunião acontece o pior...
A Ilha de Paz do título do livro é referência ao ambiente de liberdade e camaradagem que havia na escola durante o curso de verão, com os rapazes bem distantes das atrocidades da II Guerra Mundial. Mas agora, com o acidente, essa paz particular ficou seriamente abalada.
Fica um sentimento de culpa no ar, há dores, mentiras, um aluno à beira da loucura e alguém que diz que as guerras provocam vítimas até mesmo em lugares muito distantes dos campos de batalha. Até mesmo antes de se iniciarem, eu diria.
Quando alguém a quem amamos ou admiramos morre bestamente e nos sentimos tão mortos quanto ele, somos incapazes de chorar. Pois os mortos não choram, reflete um personagem. A partir dessa passagem e até o final, o livro torna-se tremendamente triste.
Então, diferentemente do livro de Salinger, que tem muitas passagens engraçadas, Uma Ilha de Paz é muito mais sobre dores e perdas na juventude. Mas é também um dos livros favoritos de americanos ilustres, como Bill Gates, se essa informação servir como consolo.
Lido entre 10 e 21.07.2012.