jota 09/05/2021ÓTIMO: um envolvente livro de pequenas histórias e retratos humanos que demonstra a maestria de Capote na junção de jornalismo com literatura Lido entre 05 e 09/05/2021.
Na capa de Música Para Camaleões duas inesquecíveis celebridades dos anos 1950-1960: Truman Capote (1924-1984) dançando com a atriz Marilyn Monroe (1926-1962) em 1955 no El Morocco, famoso nightclub novaiorquino frequentado por ricos e famosos. E dentro tem mais Marilyn, num texto intitulado Uma Criança Linda, do qual falo um pouco mais no final. Capote se expõe bastante no Prefácio, que pode ser lido como uma pequena biografia dele, muito útil para conhecer sua história, sua escrita, um tanto do que iremos ler nos catorze textos que compõe o volume. Num deles Capote diz que adorava Agatha Christie, achava Raymond Chandler um grande estilista, um poeta, e que deixou de gostar dos livros que Graham Greene escreveu depois de converter-se ao catolicismo, ou foi “capturado pelo Vaticano”, como ele registra.
São histórias pessoais de Capote, sempre interessantes e bem contadas, num estilo certeiro que mistura jornalismo e literatura (ou narrativas de não-ficção, como ele preferia), e versam sobre situações das quais participou em maior ou menor intensidade e/ou pessoas que conheceu de perto, com quem teve algum contato próximo ou ouviu falar delas. Os textos foram publicados originalmente entre os anos de 1955 e 1979. A primeira parte de Música Para Camaleões contém seis deles, incluindo aquele que dá título ao livro e que trata de uma idosa e singular dama caribenha que ao tocar piano atraia camaleões para sua sala de estar. Os cinco textos que se seguem a esse são igualmente interessantes e a releitura de um deles, Mojave (que também está em 20 Contos de Truman Capote, Companhia das Letras, 2006), me pareceu muito melhor agora do que na primeira vez.
A segunda parte traz uma única história, a mais longa do volume, Caixões Entalhados à Mão, que se passa no meio-oeste americano. Ela apresenta diversos trechos arrepiantes porque envolve assassinatos em série, todos extremamente cruéis e mesmo assim você não consegue parar de ler porque quer saber como tudo irá terminar, se o assassino será pego e preso e a motivação para seus crimes. As vítimas recebem pelo correio pequeninos caixões funerários com uma foto delas dentro e, ao cabo de algum tempo, geralmente meses depois, acabam mortas mesmo, tomando cuidado ou não. Um policial, que depois se torna grande amigo de Capote tenta resolver o caso e o escritor o acompanha algumas vezes nas investigações. Mais de uma vez eles ficam frente a frente com o suposto assassino, conversam com ele, e numa delas Capote está sozinho, ainda por cima. Faz algum tempo que li A Sangue Frio, a obra-prima do autor, mas pelos sentimentos que Caixões... me provocou agora, me lembrei dela. Só por esse texto o volume já valeria seu preço, ainda que se possa estranhar um pouco seu final.
Na terceira parte, Retratos Por Conversação, temos sete histórias de pessoas que nos são apresentadas principalmente através de conversas, quase sempre mantidas com diálogos afiados ou curiosos que Capote teve com elas. E até consigo mesmo, caso do último texto, Turnos Noturnos, em que ficamos conhecendo sua personalidade ainda um pouco mais. Mas talvez o melhor deles mesmo seja a conversação que Capote manteve com Marilyn Monroe em 28 de abril de 1955 em Nova York, durante e depois do velório Constance Collier, uma atriz inglesa, também professora de teatro, conhecida de Capote e que orientava Monroe em sua carreira no cinema. Collier é quem achava que Marilyn parecia uma criança, Uma Criança Linda, título do texto, bela e imatura. Outra personagem singular é uma faxineira profissional, Mary Sanchez, retratada em Um Dia de Trabalho, que limpava imóveis, o de Capote e de outros clientes. Ele acompanhou e ajudou Mary na faxina de alguns apartamentos por uma manhã até que num deles os proprietários voltaram antes da hora e então deu confusão. É uma das histórias mais saborosas do volume.
Bem, vou parando esses comentários por aqui, que isso não é propriamente uma resenha, apenas algumas coisas que me deram vontade de registrar ao findar essa prazerosa leitura: todas essas histórias, o modo como são narradas, o imenso talento de seu autor, me conquistaram irremediavelmente. Então recomendo Música Para Camaleões com entusiasmo, especialmente para quem aprecia narrativas curtas, assim como outro livro dele, 20 Contos de Truman Capote, ambos da Companhia das Letras. E também Os Cães Ladram: Pessoas Públicas e Lugares Privados, publicado pela L&PM em 2006. E, claro, com entusiasmo muito maior, recomendo o romance de não-ficção, A Sangue Frio, imperdível. É muita recomendação, eu sei, mas fazer o quê?