spoiler visualizarp4ndor1 14/09/2023
O trecho: "Que necessidade tem a morte de cobertura, e que ventos podem soprar contra ela? Fica lá em sua casa alta, que dá para o mundo" é um dos quais se pode tomar como exemplo quando o objetivo é elogiar a escrita literária e a mente brilhante de Zora Neale Hurston, a autora mostra, nesse romance, um vislumbre da vida de uma mulher negra de espírito livre que cresceu as margens de uma sociedade racista e escravocrata.
A história se passa em meados de 1930, na cidade de Eatonville (Flórida) e se constrói em volta da narrativa da personagem principal, Jenie, sobre sua vida e experiências vividas enquanto conversa com a amiga sentada na varanda de sua casa em um dia de regresso.
Zora tem um jeito com as palavras que eu nunca vi igual, ela pinta cenários e coloca eles expostos sobre as páginas pro leitor apreciar e é de um desses momentos em que a autora está a fazer alguma divagação pertinente que se entende o nome do livro, que pode assustar pessoas que não curtem obras litúrgicas, "Seus olhos viam Deus". No trecho em questão, Jenie após ter vivido muitos desencontros e desamores se vê realmente apaixonada e éao descrever os trejeitos de seu amado e a forma como ele é perfeito e a deixa encantada que ela acaba dizendo que olhar para ele era como "encarar Deus".
E é aqui que fica a minha opinião sobre o desenrolar do enredo, que não é ruim. Há um escalonamento cronológico, conforme a personagem principal envelhece as fatalidades passam a ser maiores, mas também as alegrias, visto que ela encontra o "amor" depois de mais velha. As emoções são balanceadas entre sentimentos românticos por conta das relações da personagem principal e os demais personagens e sentimentos de revolta e desesperança quando se trata das normas sociais racistas e machistas da época. E existe um pequeno pedaço, algumas páginas consecutivas, onde pode se observar o amor nascendo de uma forma muito pura e orgânica, isso deixou tudo muito mais intenso.
Tem muitas críticas sociais também. Talvez não críticas, mas de fato referências a questões sociais e filosóficas ligadas ao feminismo negro, ao racismo e o processo de aquilombamento, a hierarquização econômica entre pessoas da mesma "classe", e isso agrada a pequena estudante de humanas que habita em meu coração fraquinho em busca de acalanto e revolução.