elske 05/03/2023
Resenha
?O retrato de Dorian Gray? foi publicado em 1891. Para mim, é geralmente fascinante poder ler um livro escrito há mais de cem anos, e com esse não foi diferente. Ao longo de todo o texto, há reflexões filosóficas sobre arte, beleza, sociedade, e a vida. Os diálogos são naturais e bem escritos ? Oscar Wilde parece ter um talento para escrevê-los, e deve ter usado-o também nas várias peças de teatro que produziu.
O livro é permeado por um humor irônico, especialmente na presença do personagem Lord Henry Wotton, ou Harry. Este é um homem da alta sociedade e um filósofo mundano, cheio de epigramas sobre a vida. Porém, seus ditos contém muita ironia e deveriam sempre ser tomados com um grão de sal; por vezes, ele parece um personagem de Machado de Assis.
Harry é o melhor amigo e confidente de Dorian Gray, o protagonista da história, um rapaz de 20 anos dotado de uma beleza extraordinária e traços delicados. O pintor Basil Hallward, inspirado por essa beleza, procura captá-la num retrato de corpo inteiro do jovem; talentosíssimo, Basil consegue replicar de forma exata a imagem de Dorian na sua pintura. E, influenciado pelas falas de Harry sobre o valor da juventude e da beleza, Dorian deseja permanecer belo e jovem para sempre, como se ele fosse o quadro pintado que permanece o mesmo, e o quadro fosse uma pessoa que envelhece.
E esse é o começo da história e o problema de Dorian: o rapaz não envelhece fisicamente, permanece com o mesmo rosto limpo e puro dos seus 20 anos, enquanto a sua figura no quadro reproduz os efeitos do tempo e dos ?pecados? de Dorian. Ao descobrir isso, Dorian trata de esconder o quadro das vistas de todos. Assim, ao longo da história, a pintura vai adquirindo um aspecto feio, sujo, horrendo até, com um sorriso maldoso, mãos manchadas de sangue, e um olhar sarcástico e desdenhoso, à medida que Dorian vai realizando atos cruéis ele próprio: com sua influência sobre as pessoas, Dorian provoca a degradação, a desonra e até a morte de quem dele se aproxima. Isso porque o ?eterno jovem? tem uma visão de mundo hedonista e busca o prazer dos sentidos, através de meios criticados pela sociedade, como drogas e bordéis, e arrasta seus amigos consigo. E, ao contrário dos outros, Dorian não recebe os efeitos de seus atos no seu corpo: ele permanece belo e puro aos olhos da sociedade, e apenas o seu retrato fica progressivamente mais horrendo, sujo, e com uma aparência má.
Inicialmente, o livro parece mais ser um romance psicológico e quase psicanalítico (Freud deve tê-lo lido), mas aos poucos a história vai se tornando mais um horror fantástico, com as consequências dos atos de Dorian sobre as pessoas ao seu redor e a progressiva degeneração do seu retrato, que se torna horrível de ver, ao contrário de Dorian, sempre lindo e com um poder quase mágico de atração sobre qualquer um.
Para concluir, fico com uma pergunta: mesmo sabendo de todas as maldades que Dorian fez, será que, ao vê-lo, também não nos sentiríamos atraídos por ele, com sua beleza e juventude, como todas as pessoas que se relacionam com ele, e o perdoaríamos?