Filino 08/09/2018
Um livro esclarecedor - e até divertido
Com "O processo civilizador", Norbert Elias convida-nos a questionar o mundo a que estamos acostumados e encarar as coisas com uma postura crítica. Até aí, nada de tão diferente. Mas o diferencial desse livro é que o autor traz, como ponto principal de investigação, a formação e o desenvolvimento daquilo que está mais à nossa mão; o que aceitamos sem maiores questionamentos: nossos costumes.
Partindo de uma importante distinção entre Kultur e Civilization, o autor demonstra como esses vocábulos assumem significados diferentes em sociedades diversas, notadamente a Alemanha e a França. Para a primeira, haveria uma valoração maior da Kultur (ligada às grandes obras do espírito), enquanto a Civilization estaria mais relacionada a simples maneiras de se comportar no dia-a-dia (que estariam relacionadas à afetação típica da classe superior). Para os franceses, ao contrário, a Civilization assumiria papel preponderante, posto que diz respeito ao que torna uma classe distinta das demais. Curiosamente, assinala Elias, havia barreiras sociais muito mais elevadas entre os alemães do que nos franceses.
O autor estabelece de que maneira diversos costumes que hoje tomamos como evidentes (como utilizar talheres, não fazer as necessidades em público ou evitar escarrar) foram, em verdade, sendo construídos no decorrer do tempo. Para isso, expõe passagens de obras como a de Erasmo ("De pueris"), "Galateo" e outras, demonstrando esse processo.
Ao final, a edição traz a "introdução" de 1968 (a primeira edição foi publicada no período entre as duas Grandes Guerras) que apresenta uma reflexão extremamente pertinente acerca dos estudos sociológicos. O autor contrapõe dois modelos: o primeiro, típico do século XVIII e, principalmente, do XIX, toma a sociedade como um "processo" (que bem pode ser caracterizado pelo pensamento marxista); o segundo, como algo estático (próprio do século XX). Ao criticar duramente este último modelo, Elias assinala que, a despeito das críticas dirigidas à compreensão de sociedade como um "progresso", não se deve jogar fora a água suja junto com o bebê (a edição traz essa expressão, inclusive): ainda que a ideia de progresso seja extremamente questionável, não parece ser possível encarar a sociedade como algo estático, "harmônico". Pelo contrário: a sociedade pressuporia um movimento, uma relação entre os homens, tal como na dança (uma imagem também utilizada por ele). E no bojo dessa crítica, Elias vai fundo ao verificar a origem desse modelo de sociedade estática na Idade Moderna, notadamente na filosofia de inspiração cartesiana, ao se estabelecer a distinção entre duas esferas: a do indivíduo, de um lado; de outro, a sociedade. Para Elias, não é possível haver uma compreensão mais adequada se tomarmos esses dois elementos como polos estanques (e até opostos).
É, enfim, uma leitura bastante instrutiva pelos argumentos trazidos pelo autor acerca de conceitos como civilização e modelos de investigação social, além de demonstrar como determinados comportamentos se modificam com o decorrer do tempo. Vale muito a pena.