Renata CCS 02/04/2015Querida Anne-
“A não ser que você escreva, não saberá como é maravilhoso; eu sempre reclamava de não conseguir desenhar, mas agora me sinto felicíssima por saber escrever. E, se não tiver talento para escrever livros ou artigos de jornal, sempre posso escrever para mim mesma. Mas quero conseguir mais do que isso. (...) Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte!”.
- Trecho de “O Diário de Anne Frank”, datado de 5 de abril de 1944 (p.306).
Anne Frank é um nome que todos nós já ouvimos falar. A menina morta aos quinze anos de idade no campo de concentração de Bergen-Belsen deixou seu testemunho pessoal registrado em um diário, publicado pela primeira vez em 1947 e, desde então, lido por milhões de pessoas. Ela e mais sete pessoas viveram clandestinamente em um “anexo secreto”, que correspondia a três andares localizados nos fundos de um edifício em Amsterdã, localizado na rua Prinsengracht, 263.
O meu primeiro contato com O DIÁRIO DE ANNE FRANK foi na adolescência, quando o li pela primeira vez. Foi a versão em que o pai de Anne suprimiu os trechos que ele considerou constrangedores, como o despertar da sexualidade da filha e as diversas críticas feitas à sua família, principalmente à sua mãe. Lembro-me que senti um especial carinho por ela durante a leitura, afinal, quem conseguiu passar pela adolescência sem sentir-se incompreendida pelos adultos e com aquela ânsia de expressar sentimentos sem encontrar quem possa compreendê-los? Anne relata sentimentos que todos nós experimentamos e pensamentos que todos nós tivemos. Claro que além das dificuldades da transição de menina para mulher, Anne estava trancafiada em um esconderijo, com temor constante, privada de uma vida típica de adolescente e presa a uma realidade ameaçadora.
Essa nova leitura do diário, – e desta vez, a edição sem cortes – com olhos amadurecidos e maior experiência de vida, foi algo muito mais intenso. Ao analisar o mundo em que ela viveu, conseguimos visualizar uma realidade em mudança, totalmente diferente do mundo conhecido até aquele momento na história da humanidade. Senti uma empatia ainda maior por Anne, e ainda com mais ternura e admiração. Sua escrita mostra a necessidade que tinha de um diário bem redigido para o caso - consciente ou inconsciente - de alguém o ler. Anne se abriu para o seu diário de todo o coração, foi sincera, reconhecendo seus pontos fortes e seus defeitos. Uma menina de temperamento difícil e humor instável, ora sociável, ora tímida, que mostrou o quando amadurecia ao não desistir de suas crenças e de procurar a beleza nas pequenas coisas, apesar do caos em seu mundo interior e exterior. Ao escrever, Anne se permitiu revelar seus medos e emoções, suas inquietações e tristezas, sua raiva e amargura, suas paixões e sonhos. Ao buscar refúgio e consolo nas letras, Anne extravasou sua intensidade em palavras e pôde diminuir um pouco do sofrimento dentro de si.
Mas o que realmente me levou a essa nova leitura do diário foi a visita, em janeiro deste ano, à casa de Anne Frank em Amsterdã, ao esconderijo que virou museu. Ao passar pela estante que escondia a entrada ao Anexo Secreto, foi como entrar em uma parte da história cujas sensações provocadas não poderia aqui descrever. Um ambiente oprimido que serviu de lar por 25 meses para oito pessoas, e eu estava diante dele, pisando nele. Escutei o sino da torre de Westweberk, o som que Anne tanto gostava de ouvir e que irritava os demais. Entrei em todos os cômodos, vi onde viviam e como viviam. Muitas frases do diário estão nas paredes. O quarto de Anne foi o que mais me tocou: as fotos de família e de estrelas de cinema que ela colava para decorar as paredes de seu quarto ainda estão lá. Imaginei Anne ali, sentada em sua cama, escrevendo seu diário. Vi o diário de Anne, com sua capa xadrez vermelha e branca desbotada, o que ela ganhou de presente pelo seu 13° aniversário, em 12 de junho 1942. Vi as páginas que deram sequência ao diário, quando este já estava completo. Vi a mudança de sua caligrafia em seus dois últimos anos de vida. Pisar ali foi como um choque de realidade. Nada como viver o momento.
O que começou como um simples diário de adolescente transformou-se num comovente testemunho do horror nazista e tornou-se um dos livros mais vendidos no mundo, sendo publicado em todos os continentes, adaptado para o cinema e para o teatro, estudado em escolas, glorificado por admiradores e criticado por quem vê em Anne uma menina fútil e mimada eternizada tão somente por sua trágica morte.
O desejo fervoroso desta menina chamada Anne Frank de se tornar jornalista e escritora e de querer sobreviver de alguma forma à morte – como disse em um trecho de seu diário, datado de 5 de abril de 1944, que transcrevi acima – foi o que transformou um simples relato em um romance histórico.
Para mim, acima de tudo, foi a sua naturalidade, expressa de uma forma tão simples e bonita, o que fez de seu diário algo tão significativo e memorável. Através de suas letras certeiras e corajosas, Anne mostrou que a liberdade não se limita a um espaço, mas sim, a uma forma de existência.
Anne Frank sobreviveu à morte e escreveu o seu nome na História e na Literatura de uma maneira que nunca poderia imaginar.
A humanidade agradece, Anneliese Marie Frank.