debora-leao 14/02/2024
A história de uma vida enquadrada a partir do espírito
Fevereiro está sendo um mês ótimo para minhas leituras. Eu, que faço aniversário neste mês e que raramente dou cinco estrelas para algum livro, li três consecutivos que não consegui encontrar razão para penalizar com a perda de nenhuma fração de nota. Assim também é com a leitura de "Sidarta", clássico de Herman Hesse: até onde discordo dele, eu o respeito, por ser incapaz de fazer diferente, após reconhecer sua altivez.
Sidarta é um livro doce, constituído totalmente de encanto, que te obriga a parar e ler devagar para não o devorar. De fato, fiz isso algumas vezes, pausando, esticando o tempo de leitura, não porque fosse difícil, mas porque queria ouvir meus sentimentos enquanto lia a história deste personagem. A narrativa é um deleite. Mesmo sem usar técnicas como o fluxo da consciência, Hesse nos conduz com maestria ao interior da alma de Sidarta, em seus melhores e piores momentos, sem esconder nada. Manteve tudo leve e constante, próximo ao fim do livro, advoga contra as palavras, grande ironia para um escritor que, valendo-se justamente delas, consegue mostrar uma vida em tamanha dimensão como jamais vi antes.
Hesse acerta no nível de detalhes que dá, nos momentos que avança o tempo, fazendo-o transcorrer na nossa mente de leitores de forma acelerada, preenchendo lacunas com o ritmo que ele pede: efêmero, exceto pelos pequenos progressos que desembocam no que ele descreve. Hesse usa a metáfora (será mesmo uma?) do rio, e ela própria, tão importante para a história, poderia descrever seu próprio livro, que parece circular do seu fim para seu início.
É um livro para aquecer o coração pois é leve. Leve na narrativa, leve nos acontecimentos, leve nas reflexões que, apesar de numerosas e profundas, são ditas com doçura, fazendo os olhos lacrimejarem em reconhecimento e mesmo (porque não dizê-lo) em inveja. Apesar de invejar, alegro-me em saber que alguém, desprovido de doutrinas (a todas rejeitou), portador de uma poderosa subjetividade como é Sidarta, não se afogou em si. Boiou, despreocupado com o tempo, e me deu esperança na vida, no tempo, na beleza das coisas e até mesmo na dor, na ilusão. Foi uma experiência profundamente espiritual, superando a possível decepção que vem da expectativa criada. Ler "Sidarta" me deu esperança em um sentido, ainda que seja só meu. No fundo de meu ser, gostaria que o livro não tivesse acabado, de mantê-lo comigo por algum tempo mais, mas agora me esforço para reconhecer o fluxo das coisas perfeitas e apenas agradeço. Obrigada por isso.