Zattinha0 27/04/2024
Cresci sem Pai, que Sorte a Minha!
Meu pai saiu de casa quando eu tinha 3 anos de idade. No começo foi duro, enquanto criança não sabia ao certo interpretar todas aquelas mudanças e sentia falta de uma coisa que nem sabia exatamente o que era, apenas que existia. Entretanto, com o passar da idade, não só me acostumei com aquela realidade, como também passei a gostar dela.
Não há motivo para negar a existência de feridas que não entendo em sua totalidade, as quais somente me dei conta devido às poucas vezes em que ousei olhar para elas. Ainda assim, sempre que podia abstrair meus sentimentos com relação a isso, prática que se tornou fácil com toda a indiferença exercida por mim ao longo dos anos, eu sempre me senti sortudo quanto à ausência paterna. O motivo disso é bem simples, eu tive duas mães que supriam qualquer necessidade de Amor e afeto, mas também que na minha concepção seria impossível substituir por alguma referência melhor.
Pra que arriscar ser criado por alguém pior, o qual muito influenciaria na criação da minha pessoa e personalidade?
Franz Kafka me retomou esse sentimento. Sentimento de que sorte a minha poder crescer sem pai, pois mesmo que sempre soube dos impactos que os pais possuem sobre seus filhos, visualizar isso de forma tão detalhada como o livro nos mostra(ainda que na vida real, certamente, há uma complexidade muito maior) aumenta muito mais minha convicção em minha crença.
Ademais, um dos meus sonhos é ser pai, e o livro traz excelentes exemplos do que não ser como um, assim como minha própria experiência de paternidade já o fez. Apesar disso, gostaria de esclarecer que entendo que não vivemos em um mundo dicotômico, e a própria noção de culpa é extremamente relativa, ainda que ela exista de forma tão material que chega a ser quase palpável. No fim, pode ser que aquilo seja apenas a totalidade do que a pessoa tem para ofertar, o que não deixa de ser uma pena as vezes isso ser tão pouco.
Inclusive, me intriga muito todos os momentos que o autor retira a culpa de seu pai. Me pergunto se ele somente diz isso para apaziguar o caráter conflituoso da carta visando o objetivo de melhorar seu relacionamento, ou ainda se ele sofreu tanto desse mal, que apesar de descrevê-lo com tamanha precisão, não o reconhece em sua natureza. Pode ser também que ele apenas acredite nisso, vai saber, eu mesmo sou uma pessoa que tendo a descredibilizar a maldade.
Para finalizar, gostaria de ressaltar um quesito técnico que muito me agrada em Kafka. Advogado que era, é fantástico poder acompanhar uma argumentação racional e coerente. Se as pessoas soubessem se expressar e se colocar em palavras dessa forma, os conflitos seriam resolvidos muito mais facilmente. Todavia, o livro explícita que Franz não era um bom resolvedor de conflitos, pois há um abismo enorme entre escrever e falar, sobretudo falar à alguém.