Stella F.. 19/09/2023
Sofrido e Emocionante
As Vinhas da Ira
John Steinbeck - 1972 / 629 páginas - Abril
“E nos olhos dos homens reflete-se o fracasso. E nos olhos dos esfaimados cresce a ira. Na alma do povo, as vinhas da ira diluem-se e espraiam-se com ímpeto, crescem com ímpeto para a vindima.” (pg. 480)
Joad pega carona em um caminhão e ao ser sondado pelo motorista, ficamos sabendo que é um ex-presidiário. Ele cometeu um homicídio e ficou na cadeia por quatro anos sendo liberado por bom comportamento. Está a caminho da casa dos pais. Aqui já tomamos conhecimento que os tratores estão expulsando os arrendatários por todo o caminho.
Ele desce do caminhão e andando a pé, descansando aqui e ali encontra com Casy, um ex-pregador. Conversando meio ressabiados, descobrem que se conhecem assim como conhece sua família. Vão discutir sobre religião, fé, certo, errado e Casy vai contar por que deixou de ser pregador. Então seguem viagem juntos.
Ao chegarem na antiga casa, eles veem que está vazia e toda derrubada, assim como as do entorno de toda vizinhança. Encontram Mulley, um antigo conhecido de Joad que permanece no local por rebeldia. E conta a eles que quem derrubava as casas era um deles, e alegava precisar de dinheiro. Passava o trator sem dó nem piedade, dizendo que se não fosse ele, seria outro. Descobrem então que os pais estão na casa de um tio, e seguem para lá.
O encontro é emocionante e todos querem saber se Joad fugiu. E ele conta que não. Conta detalhes dos acontecimentos que terminou na sua prisão e conhecemos as personalidades e características físicas dos personagens do pai, mãe, avô, avó e todos os irmãos, que iremos acompanhar por todo o percurso dessa família em direção ao Oeste, em direção à Califórnia. Estão arrumando o caminhão para a partida, e ficam radiantes que ele tenha chegado a tempo. Já venderam tudo o que era necessário, e aqui tomamos ciência do grande negócio dos ferros velhos, que enganavam todos aquelas pessoas que estavam migrando oferecendo uma miséria por seus bens, e passando a perna neles. Havia uma campanha dos sonhos, de que lá, seriam felizes, donos de terras, e poderiam cultivar o que quisessem.
O autor intercala capítulos gerais e particulares onde trata de assuntos pertinentes a essa escalada para o Oeste, onde vai nos falar desse êxodo e tratar de alguns questionamentos pertinentes em forma de pequenos ensaios. Vai nos mostrar um pouco da crueldade dessa época, da escravização, do preconceito, dos baixos salários e da crise geral como o clima, poeira que estragava as plantações, a ambição e tentativa de ganhar mais dinheiro por parte de quem já tinha muito, valor de mercado, entre outros assuntos.
Em um dos primeiros ensaios vai contrapor Homem da Terra x Homem do Trator. Logo em seguida conhecemos o mapa da Estrada 66 e todas as cidades que a cortam, as saídas, os estados e montanhas. Vemos por toda a estrada caminhões abandonados, porque muitos deles não tinham condições de seguir por uma estrada, um caminho tão cheio de percalços, desertos, e na maioria das vezes, como na família de Joad, eram caminhões montados, adaptados e abarrotados de coisas e pessoas.
Enfim saem para o Oeste e passam muito aperto e logo no início tem a morte do cachorro, em seguida a morte do avô, e todo o questionamento de onde enterrar, porque dependendo da situação ainda teriam que dar dinheiro ao governo. Optam por enterrá-lo sem chamar a atenção. Ficam tristes e se sentem culpados por não dar dignidade, mas é o que podem no momento. Não tem dinheiro para nada.
Mas o caminho também é feito de amizades, pessoas que estão na mesma situação, entendem o que os outros estão passando, e por vezes fazem o caminho juntos para diminuir a solidão e o medo.
Depois de conseguirem um acampamento, são expulsos à força sob ameaça de colocarem fogo e queimarem quem ficasse. As pessoas do oeste detestam esses migrantes. E fazem de tudo para eles não ficarem muito tempo em um só lugar, para não criar ideias de se revoltar, e reivindicar salários melhores. Saem então em direção ao sul e encontraram um acampamento do governo onde há comitês, as próprias regras, ajuda aos necessitados, além de banheiro, chuveiro e tanques para lavar roupas. Tudo funciona e o pessoal já está querendo acabar com isso, para os migrantes não pensarem que podem viver como gente.
Em outros capítulos intercalados o autor vai tratar da metamorfose incipiente, sobre o que é o homem e o que quer, compara os tratores que estão arrasando com a terra dos outros a um tanque de guerra além de falar do começo do Eu (o dono) para o nós (os exilados). Vai falar também do amor pela terra em contraponto ao amor pelo dinheiro.
O livro foi finalizado e a leitura foi excelente! Adorei e li muito rápido para um calhamaço (1 mês). Trata do desamparo das pessoas em êxodo, procurando um local de trabalho, um lar, uma acolhida que não foi recebida. Muita exploração, miséria, preconceito, mortes, humilhações, mas também muita solidariedade, perseverança, aprendizado, amizade e superação. Salários de acordo com o mercado, medo por parte dos empregadores de uma revolta dos okies, como eram chamados os migrantes, que não foram para a Califórnia por desejo, mas sim por necessidade, para ter um ganha pão. A saga da família Joad e suas perdas, e superações, ao mesmo tempo angustiante, e emocionante. Uma mãe que é uma fortaleza, e que no lugar do Pai assume todas as responsabilidades para que a família permaneça unida, mesmo querendo desistir de tudo, após a perda das suas terras, e de alguns entes queridos que se perderam pelo caminho, morrendo ou mesmo desistindo. E o final foi surpreendente!
Fui acompanhando a narrativa deliciosa, muito bem escrita, e que não dava vontade de parar de ler. Há muito tempo não sentia isso com um livro, em meio a tanto sofrimento e angústia ficamos torcendo pelos personagens e queremos que de alguma maneira encontrem um lugar ao sol, uma dignidade e sobrevivência mínima que seja. Que sejam mais bem tratados. É um livro fluido. E um símbolo de resistência. A cada problema sempre dão um jeito de viver mais um pouquinho, de não desistir. Não têm para onde voltar! Gostei da escrita do autor e do jeito de intercalar capítulos gerais, menores, e capítulos das famílias e acampamentos, em textos maiores. Uma crítica feroz sobre o sistema, os preconceitos, a exploração escrava dos migrantes, e a falta de empatia e compaixão por parte dos americanos que viam os migrantes como intrusos.
“Eles eram famintos e ferozes. E tinham tido a esperança de encontrar um lar, e só encontravam ódio. Okies..os proprietários odiavam-nos porque sabiam que eram fracos e que os okies eram fortes, e que eram bem nutridos e que os okies passavam fome. [..] E os trabalhadores odiavam os okies porque um homem esfomeado tem que trabalhar, e, quando precisa trabalhar e não tem onde trabalhar, automaticamente trabalha por salário menor, e aí todos têm que trabalhar por salários menores.” (pg. 315)
“Aí, isso tudo não tem importância. Aí eu estarei em qualquer lugar, na escuridão, estarei no lugar que a senhora olhar à minha procura. Em toda parte onde tenha briga pra que a gente com fome possa comer, eu estarei presente. Em toda parte onde um polícia ‘teja maltratando um camarada, eu estarei presente. [..] Estarei onde a nossa gente ‘teja berrando de raiva... e estarei onde crianças ‘tejam rindo porque sentem fome e sabem que vão logo ter comida. E quando a nossa gente for comer o que plantou e for morar nas casas que construiu..aí eu também estarei presente.” (pg. 580)