Jaqueline 09/06/2012Autora: Paula McLain
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 336
- Eu poderia rastejar para debaixo da cama e só sair depois de me transformar numa velha gagá e não conseguir me lembrar de ter sentido alguma coisa por alguém (...).
- Você quer, mas não vai.
Um dos melhores livros de 2011, Casados Com Paris é uma obra que com certeza mexe com os amantes da boa literatura. Escrito por Paula McLain, este livro se baseia nas correspondências e diários do lendário escritor americano Ernest Hemingway para recontar uma época mais do que especial de sua vida – o período onde mudou-se de mala e cuia para Paris, passou a fazer parte de um grande grupo de intelectuais voluntariamente exilados na capital francesa e casou-se com a jovem americana Hadley, a sua “esposa de Paris”, brilhante narradora e protagonista deste romance.
A narrativa desta obra mescla emoção e técnica com precisão e habilidade de uma maneira muito fluida e sentimental. Há tempos eu não lia algo tão envolvente e que me fizesse mergulhar tão profundamente nas emoções de uma personagem quanto este livro, que mesmo baseado em documentos e correspondências verdadeiramente trocadas entre as pessoas citadas na obra, não perde sua verve ficcional, conduzida de modo exemplar pela autora. Artistas, escritores, pintores, membros caídos da aristocracia, wannabes, editores, músicos... Todos estavam reunidos em Paris esperando que algo acontecesse, assim como Hemingway. E se a pressão de sustentar uma família e manter uma casa era muito forte, sua determinação provou-se ainda mais. Em meio à festiva cidade, tão bem descrita pelo americano em “Paris é uma Festa”, Ernest e Hadley vivem uma história de amor, desilusão, traição e outros tantos sentimentos.
Com 21 anos, sonhando em se tornar um escritor e já demonstrando indícios de seu humor volúvel afogando os horrores passados na guerra em litros e litros de álcool e muito jazz, Ernest conhece a recatada e extremamente sincera Hadley, com então 28 anos. Entre cartas e viagens e um romance cheio de promessas e sonhos ingênuos, eles se casam. A dura realidade de uma vida a dois, com Ernest enfrentando dificuldades para sustentar seu apartamento mínimo, com todas as dúvidas e insegurança que trazem um início de carreira e a tentativa de Hadley de ser forte pelos dois, deixando-se de lado para sempre apoiar o marido, acabou impulsionando-os a se mudarem para Paris, o "lugar certo" para se estar quando se queria ter inspiração para escrever. Era na Cidade Luz onde estavam todos os escritores de verdade, onde havia o que fazer a qualquer hora e em qualquer lugar. Só que no cotidiano da vida boêmia ninguém mais acreditava no casamento e no “felizes para sempre".
Saindo de Chicago repleto da vontade de se tornar um escritor de verdade, Hemingway começou a trabalhar em seus escritos e iniciou uma nova vida ao lado de grandes artistas e gênios criativos, logo tornando-se um membro fundamental do grupo formado por nomes como Ezra Pound, Scott Fitzgerald e Gertrude Stein. A notoriedade, no entanto, deveu-se em grande parte ao apoio de Hadley, que sempre deixando suas vontades pessoais de lado para acompanhar o marido repleto de sonhos de sucesso e reconhecimento.
É delicioso assistir a dinâmica de Ernest com outras personalidades do mundo literário e cultural. A partir de cartas e anotações, o relacionamento do indomável escritor com seus colegas foi desvelado pela autora do livro, que mostra rixas, brigas e desentendimentos sem pudor. Ciúmes, traições e falhas de caráter são exibidas ao leitor de forma realista e não tendenciosa, o que dá um toque todo especial ao livro. Nele, acompanhamos praticamente de camarote as viagens que Ernest fez a Pamplona, na Espanha, onde viu e viveu situações que lhe inspiraram a escrever uma de suas maiores obras, o livro “O Sol Também Se Levanta”. As touradas, o temperamento da população e a influência da personalidade dos seus amigos pessoais na criação de seus personagens é totalmente explicitada em Casados com Paris, onde a primeira esposa do célebre escritor narra com uma sensibilidade comovente as mudanças de humor, a ambição e a vontade de se tornar imortal através das palavras do marido, assim como as consequências de tudo isto em seu relacionamento. Hadley é uma personagem tão humana e consciente que em certo momento torna-se impossível não sentir pena do fato de ela ser tão diferente de Ernest e seus amigos boêmios, todos selvagemente envolvidos com as diversões, aspirações e prazeres dos famosos “anos loucos”, como é conhecida a década de 1920.
Nesta época, a Europa encontrava-se em franca recuperação após a Primeira Guerra Mundial, que envolveu grandes potências europeias contra os Impérios Alemão, Austro- Húngaro e Russo após o atentado ao arquiduque Francisco Ferdinando. Após anos de combate, provações materiais e restrições morais, além de milhares de mortes, o mundo pode respirar em paz novamente, trilhando caminhos nunca antes desbravados: o crescimento da autonomia feminina, a discussão do sufrágio (direito ao voto) universal, a regulação do divórcio, entre outras muitas mudanças do Antigo Mundo.
Tanto Hadley quando Ernest vinham de famílias comandadas por mulheres dominadoras e inflexíveis, cujas exigências podavam qualquer espírito criativo e individualidade dos filhos, enquanto enlouqueciam e anulavam os maridos com suas vontades indomáveis. O surgimento de planos e juras de que eles jamais se tornaria esse tipo de pessoa foi natural, algo como uma busca por ar fresco, mas através das páginas de "Casados com Paris" percebemos como o cotidiano pode mudar nossas resoluções e influenciar nossa força de vontade e auto-estima, como vemos acontecer com Hadley. Sua espiral de sentimentos é o torna esse romance tão forte. Sua fragilidade a enaltece, tornando seu caráter mais centrado e resoluto de que ela jamais seria o suficiente para Ernest, mas de uma maneira distinta e muito bem desenvolvida por Paula McLain, misturando sentimentos controversos, vida e muita emoção em menos de 400 páginas de forma magistral.
- Análise publicada no site www.up-brasil.com