Gustavo.Romero 29/01/2019
Senta que lá vem história
Italo Calvino é um contador de histórias nato: mesmo com um motivo simplório e com situações "inverídicas" (o que é verdade ou mentira, afinal?), o autor consegue nos manter atentos até a última linha. Em o Cavaleiro Inexistente, não poderia ser diferente: o insólito ocupa o lugar do convencional, e ao final dilui qualquer fronteira de "normalidade" e nos convida a refletir sobre o que é essência. A propósito, é precisa e explicitamente essa a proposta deste livro, em que acompanhamos a saga do Cavaleiro que "não é" - uma imagem belíssima, considerando que o que "não é" deixa de "existir" justamente quando os personagens que lhe acercam decidem, eles próprios, tomar as rédeas do destino em suas mãos. O exercício de Calvino é propositalmente dialético, pois além de tornar a contradição como mecanismo de consciência e ação (o cavaleiro "inexistente" é que induz todos a efetivamente "existirem"), serve também como provocação direta ao "materialismo dialético" do regime stalinista (sutilmente sugerido no livro por meio da monarquia carolíngia), golpe duro para os intelectuais que, à maneira de Calvino, acreditavam no ideal revolucionário comunista na medida em que ele pudesse libertar as potencialidades humanas, e não o que de fato ocorreu, diametralmente oposto a esse ideal. O tema do aprisionamento da criatividade individual sob a carapaça de pseudo-revoluções já fora explorado com pormenores na figura de Cosmo, n' "O Barão nas Árvores", mas é n'"O Cavaleiro inexistente "que Calvino faz seu acerto de contas com o passado, relegando qualquer expectativa com relação às experiências políticas até então experimentada, mas sem perder sua aposta no futuro, no encerramento do livro: "A página tem o seu bem só quando é virada e há a vida por trás que impulsiona e desordena todas as folhas do livro (...). Quais imprevistas idades de ouro prepara você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam caro, você, meu reino a ser conquistado, futuro...". (p. 132-133).