jota 15/01/2022MUITO BOM: histórias de Berlim de antes da guerra narradas por um inglês, arguto observador da sociedade localLido entre 30/12/2021 e 14/01/2022
As seis histórias de Adeus a Berlim formam uma narrativa mais ou menos uniforme; faziam parte de um projeto de livro mais ambicioso, Os Perdidos, que, no entanto, nunca foi finalizado por seu autor, o inglês naturalizado americano Christopher Isherwood (1904-1986). De todo modo, elas serviram de base para um grande sucesso teatral da Broadway em 1966, o musical Cabaret, que em 1972 se tornou um filme homônimo, de sucesso mundial. Foi dirigido por Bob Fosse e tinha Liza Minnelli como a aloprada Sally Bowles. Que é a personagem mais famosa do livro, também o título de um dos textos de Isherwood, o segundo deles. Ele próprio é outro personagem de Adeus a Berlim; ao contrário de Sally Bowles (que reaparece na quinta história) ou de Otto Nowak (terceira história, passada na ilha Rügen), personagens destacados, Isherwood se faz presente em todas as histórias.
Ele e Berlim, cidade onde viveu de 1929 a 1933 (foi professor de inglês ali), com ocasionais visitas a outras partes da Alemanha e à Inglaterra. Suas impressões mais marcantes sobre os alemães estão registradas principalmente na primeira e na última (ou sexta) narrativas, respectivamente os diários berlinenses de 1930 (outono) e os de 1932 e 1933 (inverno), coisas que viu ou viveu, como certa libertinagem sexual reinante na cidade. Mas o livro não é essencialmente autobiográfico, como o próprio escritor alerta na nota introdutória: “Por ter dado meu próprio nome ao “eu” desta narrativa, os leitores não devem concluir que suas páginas sejam puramente autobiográficas ou que suas personagens sejam retratos difamatoriamente exatos de pessoas vivas. “Christopher Isherwood” é um conveniente boneco de ventríloquo, nada mais.” Hoje chamaríamos os textos de Adeus a Berlim de auto-ficção.
Mais do que contar aos leitores sobre suas vivências alemãs, o que Isherwood se preocupou em fazer foi reproduzir o clima social e político de uma cidade bastante complexa, cujos sinais de decadência já podiam ser encontrados na vida cotidiana, não apenas nos acontecimentos políticos, como observaram estudiosos da obra. Daí que o livro atrai leitores e literatos não apenas por sua ficção de qualidade, sempre interessante, também porque seu autor presenciou a ascensão do nazismo. Antes de essa tragédia mundial ter início, Isherwood conheceu muita gente em Berlim, observou acontecimentos e participou de várias experiências na cidade, como morar numa pensão em que habitavam vários outros personagens, todos singulares. Registrou tudo detalhadamente em seu diário, matéria-prima que lhe serviu depois para as histórias desse livro. Inspirado em Balzac, ele pensava em escrever algo como uma comédia humana berlinense, com uma multidão de personagens, mas desistiu por julgar-se incapaz dessa realização.
Todavia temos as histórias de Adeus a Berlim, que pode ser visto como um retrato da sociedade berlinense da época em que Isherwood viveu na cidade, conforme já se deu a entender antes. Cidade que era habitada por gente festiva e inconsequente como a cantora aspirante a atriz de cinema Sally Bowles, também por uma família proletária que vivia numa casa miserável, decadente, os Nowak (quarta história), e ainda por gente rica como os Landauer (quinta história), de ascendência judaica, que pareciam ignorar o perigo que viria na sequência. Todos tiveram de se adaptar à nova era que a cidade logo conheceria sob o comando dos nazistas. Ou então proceder como Isherwood, partir, dizer adeus a Berlim. E para lá apenas voltar quase duas décadas depois...