Lucas1429 15/11/2023Com outro títuloSe Milan Kundera, recém falecido, não tivesse - oportunamente - cunhado o seu majestoso livro com o nome de "A insustentável leveza do ser", eu tranquilamente diria que poderia ser o título dessa obra.
Não é por nada, as histórias não tem nada próximas, nem diametralmente, nem paralelamente. Mas Sumire, Miu e nosso narrador, o senhor K (referência à Kafka, talvez?), são pessoas comuns, com seus sonhos e vidas, mas que, ao existirem, sentem a dificuldade de apenas existir, de apenas estar no mundo real.
E nesse tipo de pensamento, numa narrativa que é psicológica e atrela o realismo fantástico à sua prosa poética, Murakami é rei.
Quanto mais leio suas obras - e aqui incluo o majestoso 1Q84 -, mais tenho comigo que, nas obras do japonês, pouco importa a história em si. A cabeça de seus personagens, suas ações e as características do realismo que prevalecem - muito bem escritas - através de suas narrativas.
Não que seus livros não tenham pé nem cabeça. Ou talvez realmente não tenham. Mas te transporta para um mundo onde o real e o irreal são separados por espelhos, por linhas tênues. Onde não se sabe se há ou não metáfora na escrita. E isso é contagiante. É estupendo.
Meu último Murakami não foi uma experiência muito legal - Caçando Carneiros, não me conectei com a obra. Mas, agora, retorno para os braços do Murazinho, com sua cadência, sua beleza, sua genialidade.
Uma excelente obra, recomendo. Não é leitura tão didática para quem é iniciante na leitura ou na obra do próprio Murakami, mas, para os já habituados ou para os fãs do homem, vale muito a pena.
O livro flui como uma obra de Liszt. Talvez tocada por Miu, talvez reencenada. Fica, ao final, um trecho que muIto me tocou:
"Mas tudo o que eu sentia era uma solidão sem par. Antes que eu percebesse, o mundo em volta foi privado de cor. Do cimo maltratado da montanha, as ruínas desses sentimentos vazios, vi a minha própria vida estendendo-se no futuro. Parecia uma ilustração de um romance de ficção científica que li em criança, sobre a superfície desolada de um planeta deserto. Nenhum sinal de vida. Cada dia parecia durar para sempre, o ar ou estava fervendo ou gelando. A nave espacial que me levava para lá tinha desaparecido e eu estava preso. Tinha de sobreviver sozinho"