spoiler visualizarPedro.Firmino 09/10/2022
Então ele disse: Faça-se a luz.
Desde que li "Eu, Robô", uma coletânea de contos que se complementam também de Asimov, eu sempre busquei ler ficção científica em formato de conto. O conflito criado para o autor nessa configuração produz algo interessante: ao criar algo desse gênero (que se propõe a nos mostrar novos mundos e tecnologias) em um número curto de páginas, se exige a retirada de toda explicação desnecessária, sem no entanto prejudicar a ambientação e entendimento.
Dessa forma, até ler "A Última Pergunta", o artista que melhor se saiu nesse conflito para mim foi Arthur C. Clarke que, apesar de demonstrar a capacidade de criar a imersão do leitor em obras maiores, como o clássico "2001", também se sai muito bem em escritos mais curtos. Mas, após ler esse conto de Asimov, tenho o sentimento claro de que dificilmente vou encontrar algum conto a altura dessa construção de mundo(s) através dos trilhões de anos no qual ele se passa.
Ninguém chega tão longe ao imaginar o impacto da tecnologia nas relações humanas quanto Asimov. Digo isso apontando a estrutura do conto, que assim como em "Eu Robô", apresenta pequenas histórias da interação dos seres humanos com uma tecnologia específica ao longo de eras (seja com os robôs como em sua obra prima, seja neste conto com a inteligência artificial). Dessa forma, o autor não nos apresenta apenas um primeiro efeito de uma tecnologia na humanidade, mas como ela vai se modificando através desse contato ao longo das eras.
Pra mim, a representação mais brilhante (e sutil) dessas mudanças está nos nomes dos personagens no conto:
No início, um futuro próximo onde a humanidade conseguiu utilizar uma inteligência artificial para captar de forma eficiente a energia solar, os personagens possuem nome e sobrenome assim como nós. Após milhares de anos, uma família de colonizadores interestelares já possuem nomes estranhos e alienígenas. Mais um salto de tempo, e após povoarem a galáxia toda e alcançarem a imortalidade, os homens não possuem mais nomes (que numa realidade de trilhões de humanos seria de difícil utilização), mas sim códigos. Por fim, ao superar a dimensão do corpo físico, as consciências viajantes perdem o sentido de identidade, se unindo em uma consciência denominada Homem.
Toda essa odisseia humana (se é que podemos considerar os últimos personagens como "humanos" na mesma categoria que hoje usamos pra nos referir a nós mesmos) é conectada por uma única pergunta: "É possível inverter a Entropia?". O que se segue no fim do conto, é simplesmente a mais sofisticada e bela concepção de ficção científica da "origem de Deus" que eu já li. Toda narrativa que leva a premissa de "Eram os Deuses Astronautas" (como o próprio 2001 de Clarke) se torna pequeno diante do final mais simples, belo e sutil que poderia ser escrito. Durante toda minha vida ofendi mentalmente minha criação católica imposta à mim quando criança, mas se toda essa violência simbólica me permitiu conhecer de cara a grandeza desse final expresso em uma frase, valeu a pena o catecismo compulsório.
Existe uma concepção divina mais bela do que a união da consciência de todos os seres humanos adquirindo toda a informação do universo através de um infinito espaço de tempo? Existe melhor representação da megalomania humana em querer se tornar criador e imortal? Há alguma representação mais poética da força da curiosidade e transformação de tudo por meio de uma pergunta? Sinceramente, depois de Asimov, acho difícil de encontrar.