Val 15/03/2021
Acenos e Afagos: uma epopeia libidinal.
Como escreve bem este gaúcho libidinoso. É um texto claro, sucinto, direto e sofisticado. Não fosse o exagero e a persistência homoerótica nesta epopéia libidinal - como define este livro, em certo momento, divertidamente, o personagem-narrador – poderíamos consagrá-lo como mais uma obra-prima de João Gilberto Noll. Acenos e Afagos é um livro perturbador que mexerá com os desejos, segredos e repugnancias mais íntimas de cada leitor. Ninguém ficará incólume.
Trata-se de uma hábil narrativa, um monólogo interior, num único parágrafo do início ao fim do livro, de angústias e desilusões, como uma torrente, sufocando-nos numa corriqueira história de amor impossível entre um pretenso fazendeiro e um engenheiro amigo de infância. Este, sempre presente – em pensamentos e devaneios eróticos - nos momentos difíceis do personagem-narrador.
Como num livro de memórias seu, Noll tece um enredo de retrospectiva que principia na primeira experiência sexual da infância – engalfinhando-se com o então futuro engenheiro – na sala de espera do dentista, ao terrível som do motorzinho da broca dentária. Passa por inspirada e marcante descrição de uma orgia juvenil em um submarino alemão onde “perde” seu engenheiro, que voltará, mais ao final do texto numa divertida passagem, para salvar o narrador com uma respiração boca-a-boca no caixão.
Aliás, o livro tem passagens hilariantes, incômodas e muitas vezes poéticas. Apesar de sua consciência homossexual nunca assumida, o fazendeiro casado e com um filho, é descrito nas relações com sua esposa, nas suas preferências sexuais frustradas, tudo numa linguagem contundente e ao mesmo tempo ambígua. Coisa de gênio que se perde, às vezes, descrevendo situações gratuitas.
Como escreveu Edward Pimenta, o texto “não traz nenhuma inovação formal, mas são claros o domínio técnico de Noll em sua opção narrativa – em primeira pessoa, sua marca registrada - e a habilidade em encadear impressões num maciço fluxo de consciência. Isso é o melhor do romance.”.
Lamentável, apenas, que um escritor brasileiro genial como João Gilberto Noll tenha sido tão pouco divulgado, provavelmente por ter sido ele bastante recluso. Seu legado – ele nos deixou em 2017, aos 71 anos - é imenso, com obras brilhantes como Harmada, Lorde, Solidão Continental, A Céu Aberto, Mínimo Múltiplo Comum, entre outros. A maioria de seus livros foram premiados com Jabutis (cinco), APCA, Portugal/Telecom, entre outros.
Valdemir Martins
14.03.2021
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