Bruna 08/07/2021
Dentre os autores brasileiros que deixaram uma profunda marca em mim, Erico Verissimo talvez seja o que mais se destaca. Sua riqueza de detalhes e minuciosa pesquisa com personagens e informações históricas mescladas com maestria aos personagens fictícios são traços que me conquistaram e admiro desde a leitura de O tempo e o vento.
Há tempos planejava a leitura de Incidente em Antares, especialmente pela temática. Sete defuntos que, ao não serem sepultados em meio a uma greve, levantam-se de seus féretros, marcham até a praça principal da cidade e expõem as hipocrisias, as mentiras e mesmo os crimes - em suma, os podres - dos cidadãos da alta sociedade de Antares. Sem pender exatamente para o fantástico, a obra trata de uma alegoria à época em que foi escrito, isto é, 1971. Com causas mortis diversas (algumas, inclusive, não corretamente esclarecidas aos cidadãos), os insepultos mortos de Antares encontram-se em uma posição de certa forma privilegiada, pois podem informar tudo o que sabem aos antarenses presentes na praça central no fatídico 13 de dezembro de 1963 (uma sexta-feira), sem temer represálias. Casos extraconjugais, corrupção, torturas em interrogatórios policiais, entre tantos outros fatos, escandalizam os moradores da pequena cidade fronteiriça à Argentina, assim como o público apodrecimento e a infestação de ratos trazida pelos sete.
Após o reestabelecimento da normalidade, pouco a pouco, de forma não tão pacífica e muito menos natural, a cidade volta a apresentar os mesmos problemas, os mesmos aspectos de hipocrisia denunciados pelos mortos. Especialmente pelos acontecimentos do ano seguinte, 1964.
Mais do que um livro escrito durante o período da ditadura que conta com diversos trechos em que o discurso permanece tristemente semelhante à atualidade, Incidente em Antares diverte e faz observar o funcionamento da sociedade, especialmente em pequenas cidades (mas não apenas). Recomendo a leitura para quem tem interesse em temas como história, sociologia e antropologia, mas também em uma narrativa bem construída, com personagens bem desenvolvidos e facilmente identificáveis. E, claro, para apreciar a maestria de Erico Verissimo na construção de romances.